ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Minieditorial Estresse no Trabalho e Saúde Cardiovascular: Existe Alguma Relação? Job Stress and Cardiovascular Health: Is There a Connection? Fernando Henpin Yue Cesen a Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Saúde Cardiovascular Ideal e Estresse no Trabalho: Um Estudo Transversal da Amazônia Brasileira Correspondência: Fernando Henpin Yue Cesena • Hospital Israelita Albert Einstein - Avenida Brasil, 953. CEP 01431-000, São Paulo, SP – Brasil E-mail: fernando.cesena@einstein.br, cesenaf@gmail.com Palavras-chave Doenças Cardiovasculares; Estresse Ocupacional; Estresse Psicológico; Fatores de Risco. DOI: 10.5935/abc.20190030 A relação entre estresse psicológico e doença cardiovascular (CV) tem sido estudada há muito tempo. Em especial, a relação entre o estresse no trabalho e desfechos CV tem sido objeto de debate. Embora existam dados que sustentem que o estresse no trabalho aumenta o risco CV, alguns especialistas acreditam que essa associação não seja muito relevante ou que os resultados possam ser tendenciosos. 1 Existem muitos mecanismos plausíveis pelos quais o estresse no trabalho pode aumentar a probabilidade de eventos CV, incluindo o aumento do tônus autonômico e a predisposição a comportamentos de risco, como inatividade física, alimentação não saudável e tabagismo. 2 Nesse contexto, o estudo de Muniz et al. 3 publicado nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia é muito bem‑vindo. Os autores buscaram investigar, em um estudo de corte transversal, a prevalência de saúde CV ideal e a influência do estresse no trabalho na saúde CV de 478 funcionários de uma universidade em Rio Branco, Acre, Brasil. A saúde CV foi determinada por um método padrão proposto pela American Heart Association , 4 que considera variáveis relacionadas ao estilo de vida e a fatores de risco tradicionais. O estresse no trabalho foi avaliado pelo modelo clássico proposto por Karasek et al., 5 que é o método mais frequentemente utilizado em estudos semelhantes. De acordo com esse modelo, altos níveis de tensão no trabalho ocorrem quando há alta demanda psicológica associada a baixo controle sobre as demandas. Três principais aspectos do estudo de Muniz et al. 3 podem ser destacados. Emprimeiro lugar, é sempre bome enriquecedor ver os dados científicos de um lugar remoto, subrepresentado na literatura cardiológica, sendo relatados em uma revista médica. Em segundo lugar, e isso é alarmante, a vasta maioria dos indivíduos (91%) foi considerada de saúde CV ruim, e ninguém apresentava saúde CV ideal. 3 Pode-se dizer que os critérios para a saúde CV ideal são muito rigorosos. Pode-se dizer também que a saúde CV não foi devidamente avaliada (por exemplo, informações sobre colesterol alto e diabetes foram autorreferidas). Além disso, o estudo tem validação externa limitada, pois recrutou funcionários de uma única universidade (65% homens), não verdadeiramente representando a população geral. Mesmo assim, a saúde CV geral ruim relatada neste estudo superou as expectativas, conforme apontado pelos autores. 3 Esse achado é, por si só, uma manchete a ser cuidadosamente interpretada pela população geral, pelos profissionais de saúde e pelas autoridades de saúde. Em terceiro lugar, o estudo traz algumas percepções sobre a relação entre estresse no trabalho e saúde CV. Os autores relatam uma associação entre alta tensão no trabalho e saúde CV ruim que não alcançou significância estatística. No entanto, o alto estresse no trabalho relacionou-se com obesidade e dieta inadequada. 3 Deve-se reconhecer, como os autores o fazem, que os estudos transversais só podem estabelecer associação e não causalidade. Portanto, o presente estudo tem um potencial limitado para contribuir, de maneira relevante, para o conhecimento sobre a relação causal entre estresse no trabalho e doenças CV. Esta questão é melhor avaliada por estudos de coorte prospectivos, uma vez que ensaios clínicos randomizados com estresse no trabalho como intervenção não são viáveis ou éticos. A esse respeito, embora muitos estudos de coorte não tenham encontrado uma associação positiva entre estresse no trabalho e doença arterial coronariana (DAC), 2 muitos outros estudos e meta‑análises encontraram uma relação significativa entre estresse no trabalho e desfechos CV, 1,6 assim como com diabetes, tabagismo, sedentarismo e obesidade. 7,8 Por exemplo, Kivimäki et al. demonstraram que o estresse no trabalho aumentou o risco de DAC em 23% em uma meta-análise que incluiu quase 200.000 indivíduos de estudos publicados e não publicados, numa tentativa de evitar viés de publicação. 6 Demonstrou-se também que longas jornadas de trabalho (≥ 55 horas por semana), um padrão frequentemente correlacionado com estresse no trabalho, aumentam o risco de DAC em 1,12 vezes e o risco de acidente vascular cerebral em 1,21 vezes em uma meta-análise de grande porte. 9 Portanto, parece razoável aceitar o estresse no trabalho como um fator de risco para doenças CV ou, pelo menos, um fator que pode aumentar o risco de eventos CV através da exacerbação de fatores de risco tradicionais ou por facilitar um estilo de vida não saudável. Esforços devem ser feitos para aprofundar o conhecimento nesse campo. Pesquisas futuras devem se concentrar nas nuances da relação entre estresse no trabalho e saúde CV. A identificação de tipos e padrões de trabalho mais 269

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