ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Artigo Original Muniz et al Saúde cardiovascular ideal e estresse no trabalho Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):260-268 Introdução As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morte nos países desenvolvidos e também naqueles em desenvolvimento. 1-3 Para combatê-las, a American Heart Association (AHA) lançou o “2020 impact Goal” e o conceito de saúde cardiovascular (CV) ideal. 4 Esta é definida como a presença de comportamentos de saúde ideais (não fumar, índice de massa corporal (IMC) < 25 kg/m, 2 prática de atividade física em níveis adequados e dieta de acordo com as recomendações da diretriz) e fatores de saúde ideais (colesterol total <200mg/dL (sem tratamento), pressão arterial não tratada<120/80mmHg e glicemia em jejum<100mg/dL). Os indivíduos emestado ideal de saúde CV apresentammenor incidência de DCV e aumento da expectativa de vida quando comparados aos que estão em situação de saúde ruim. 4-6 A saúde CV parece ser influenciada pelas condições do local de trabalho. 7,8 Em um estudo realizado por Karasek et al., 8 a alta tensão no trabalho estava associada a maiores chances de desenvolver DCV. 8 Os autores propuseram que a demanda e o controle no local de trabalho influenciam o estado de saúde. O controle é definido como a autonomia para tomada de decisão do empregado e a quantidade de habilidades intelectuais necessárias ao trabalhar. A demanda é a pressão intelectual que pode ser quantitativa, relacionada ao tempo e velocidade para realizar o trabalho, ou qualitativa, definida como conflito de demandas contraditórias. 7 Apesar de terem sido realizados poucos estudos sobre o assunto em países desenvolvidos, a relação entre tensão laboral e saúde CV não é completamente conhecida no cenário de um país em desenvolvimento. De acordo com o cenário exposto, nós hipotetizamos que a saúde CV ideal tem baixa prevalência na Bacia Amazônica. Além disso, acreditamos que a tensão no trabalho está associada a uma maior prevalência de saúde CV ruim. Objetivo O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência da saúde CV ideal e sua relação com o estresse no trabalho em uma área isolada de um país em desenvolvimento. Métodos O estudo foi realizado entre 2012 e 2013 em Rio Branco, Brasil. Todos os 759 funcionários da Universidade Federal do Acre foram convidados a participar. Eles receberam uma ligação ou e-mail para marcar um encontro com os pesquisadores. Um total de 478 funcionários aceitaram participar, incluindo 166 (35%) professores e 312 (65%) funcionários não docentes. Um questionário foi utilizado para coletar informações sobre dados socioeconômicos, saúde CV e fatores de risco. O peso, a altura, a circunferência da cintura e a pressão arterial foram medidos duas vezes em visitas diferentes. A média das duas medidas foi considerado o valor final. Nós excluímos aqueles sujeitos que se recusaram a assinar o termo de consentimento. Vinte e sete participantes com dados faltantes em relação ao estresse no trabalho não foram incluídos nas comparações entre os fatores de saúde CV e a tensão no trabalho. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Acre. Utilizamos um questionário validado e adaptado para língua portuguesa baseado no modelo teórico de Robert Karesek para avaliar o estresse no trabalho. 9 O questionário é composto de 6 questões para avaliar o controle, 5 questões para avaliar a demanda e 6 questões para avaliar o apoio social. Cada pergunta foi composta por 4 respostas possíveis que variam de 1 (discorda totalmente) a 4 (concorda totalmente). Nós definimos como alta demanda aqueles participantes com pontuações acima do percentil 50 no questionário adaptado em língua portuguesa; baixo controle quando abaixo do percentil 50; para as análises, os participantes foram divididos em grupos, como segue: alta tensão: a combinação de alta demanda e baixo controle; baixa tensão: baixa demanda e alto controle; ativo: alta demanda e alto controle; passivo: baixa demanda e baixo controle. Consideramos os sete indicadores propostos pela AHA como fatores de saúde CV. Estes sete parâmetros incluem quatro variáveis de estilo de vida (tabagismo, atividade física, dieta e IMC) e três fatores de risco CV (diabetes, hipercolesterolemia e hipertensão arterial sistêmica). O status de tabagismo foi classificado como nunca fumante, ex-fumante e fumante atual. A atividade física ideal foi definida como mais de 150 minutos/semana de exercício de intensidade moderada; qualquer atividade física inferior a 150 minutos/semana como intermediária; e o sedentarismo como ruim. O IMC foi calculado como peso corporal em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros quadrados (kg/m 2 ). Os valores inferiores a 25 foram considerados ideais, entre 25 e 29,9 intermediários, e maiores de 30 foram considerados ruins. Diabetes e hipercolesterolemia foram auto-referidos através do questionário com pergunta de respostas sim ou não. A pressão arterial foi obtida seguindo as orientações da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A pressão arterial elevada foi definida como um valor médio superior a 140/90 mmHg ou pressão arterial alta auto-relatada, no uso ou não de medicação anti-hipertensiva. A pressão arterial sistólica entre 120 e 139 ou a pressão arterial diastólica entre 80 e 89 foram classificadas como intermediárias. A pressão arterial < 120/80 foi considerada ideal. De acordo com a AHA, um padrão de dieta ideal foi definido como o consumo de 4 porções ou mais de frutas e/ou verduras por dia, menos de 1 litro de bebidas industrializadas por semana e mais de duas porções de 100 gramas/semana de peixe. Usamos um questionário de frequência alimentar previamente validado em uma coorte brasileira. 10 O questionário não pode mensurar o consumo de grãos, fibras e sódio consumido. Os indivíduos foram classificados como tendo saúde CV ideal (estilo de vida ideal e ausência de fatores de risco CV), ruim (quando algum dos sete fatores foi avaliado como ruim) ou intermediário (participantes que não pertenciam ao grupo de saúde CV ideal ou ruim). As covariáveis utilizadas para análise dos dados foram: idade, gênero, renda, nível de educação e ocupação, que foram auto‑relatadas no questionário. A renda foi mensurada emdólares americanos e os sujeitos foram divididos em duas categorias, de ganho maior ou menor de US $ 20.000/ano. A ocupação foi classificada como servidor docente e não-docente. Nós dividimos o nível de educação como variável dicotômica com sujeitos classificados como ensino superior oumaior, ou ensinomédio ou menor. O suporte social foi definido como baixo quando abaixo do percentil 50 no questionário adaptado. 261

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