ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Minieditorial Vamos olhar (o) direito durante a avaliação da disfunção diastólica? Let’s Look Right during Diastolic Dysfunction Evaluation? Murilo Foppa 1, 2 e Angela Barreto Santiago Santos 1,2 Hospital de Clinicas de Porto Alegre, 1 Porto Alegre, RS – Brazil Universisade Federal do Rio Grande do Sul, 2 Porto Alegre, RS – Brazil Correspondência: Murilo Foppa • Hospital de Clinicas de Porto Alegre - Rua Ramiro Barcelos, 2350. CEP 90035-903, Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: mufoppa@hcpa.edu.br Palavras-chave Insuficiência Cardíaca; Volume Sistólico; Disfunção Ventricular/ Direita; Função Atrial/fisiologia; Ecocardiografia/ métodos; Hipertensão. DOI: 10.5935/abc.20190053 Quase metade dos pacientes com insuficiência cardíaca apresenta fração de ejeção preservada (ICFEP). A ICFEP é tradicionalmente atribuída a um aumento da pressão de enchimento diastólico final do ventrículo esquerdo (Pd2), desencadeada por mecanismos estruturais, metabólicos e funcionais. 1 A ecocardiografia permite identificar os sinais de ICFEP, como disfunção diastólica (DD), 2 átrio esquerdo aumentado e anormalidades mais sutis da função sistólica detectadas pelo strain longitudinal global. 3,4 Alterações do ventrículo direito (VD) e hipertensão pulmonar também são identificadas pela ecocardiografia, sendo frequentemente observadas na ICFEP. 5 No entanto, há controvérsias sobre se as alterações observadas nas câmaras cardíacas direitas são consequência de alterações do lado esquerdo ou se correspondem a efeito direto sobre as câmaras esquerda e direita, causado simultaneamente pelos mesmos mecanismos, tais como fibrose subendocárdica difusa e disfunção sistólica subclínica. Neste estudo, Baroncini et al. 6 buscaram apresentar mais evidências para preencher essa lacuna de conhecimento. Os autores compararam duas pequenas amostras de indivíduos com e sem DD (25 indivíduos em cada grupo) e não encontraram alterações significativas na função do VD entre os grupos medidos pela excursão sistólica do plano anular tricúspide (TAPSE) ou velocidade sistólica da parede livre do VD ( s' ). A análise secundária destacada pelos autores mostrou que, no subgrupo comDD, os 7 indivíduos com átrio esquerdo dilatado apresentaram piores parâmetros de função do VD em comparação com os demais pacientes com DD (n = 18). Esses resultados poderiam sugerir que as alterações do VD estariam presentes apenas naqueles já com aumento crônico da pressão atrial esquerda, identificado por sua dilatação. No entanto, esse achado específico, restrito a um subgrupo é muito provável que tenha ocorrido por acaso. Além das reconhecidas limitações de achados a posteriori , há outros achados que enfraquecem a consistência da plausibilidade biológica da associação descrita. Não houve correlação significativa quando as medidas do átrio esquerdo e do ventrículo direito foram analisadas de forma contínua (diferentemente do título do artigo), e não houve associação relevante identificada nas análises que incluíram o grupo de controles supostamente normais. Outra questão importante é a impossibilidade do estudo, como realizado, de ajustar adequadamente as relações intrincadas entre as variáveis de confusão. Isso fica evidente quando analisamos as relações entre idade, função diastólica, tamanho do átrio esquerdo e função diastólica no estudo. Alterações da função VD nos estágios iniciais da DD já foram estudadas, quando os efeitos da circulação pulmonar no VD ainda não foram observados. Brand et al., 7 estudando 438 mulheres (BNP = 34,4 ± 31,6 pg/ml, pressão sistólica da artéria pulmonar = 21,8 ± 6,2 mmHg) mostraram que o grupo com DD (n = 152) apresentou pior função sistólica do VD em relação ao grupo sem DD (n = 286), seja por medidas convencionais, como TAPSE, S’, e fração de variação de área, ou por métodos mais novos, como strain longitudinal global e da parede livre do VD. Destaca-se que o grupo com DD não apresentou sinais ecocardiográficos de aumento da pressão de enchimento do ventrículo esquerdo, dilatação do VD ou hipertensão pulmonar, reforçando o conceito fisiopatológico de que a ocorrência de disfunção do VD independe da sobrecarga de pressão nessa cavidade. Os avanços no conhecimento da ICFEP são indiscutíveis, demonstrando o envolvimento global cardíaco, pulmonar e multissistêmico na síndrome, além da DD. Esses avanços foram conquistados em grande parte com a ajuda de exames de imagemnão-invasivos e é provável que ajudemna identificação de alvos terapêuticos e de estratégias de prevenção. Por outro lado, apesar de seu uso clínico universal, o papel diagnóstico e prognóstico independente de qualquer biomarcador de imagem empregado de forma isolad ainda é motivo de debate, devido às suas complexas interconexões. Considerando isso, é fundamental o discernimento adequado entre associações, causalidade e utilidade clínica de qualquer biomarcador, particularmente na avaliação ecocardiográfica da DD. 258

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