ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Artigo Original Baroncini et al Ventrículo direito e volume atrial esquerdo Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):249-257 Introdução A interdependência morfológica e funcional entre os dois ventrículos pode ser explicada por três mecanismos: (1) aumento da pressão diastólica final do ventrículo direito (VD) em resposta ao aumento do volume do ventrículo esquerdo (VE); (2) aumento das pressões de enchimento do VE determinando tensão mecânica nas fibras musculares comuns aos dois ventrículos; e (3) fatores humorais, como as catecolaminas, que podem mediar a hipertrofia dos ventrículos como resposta à sobrecarga pressórica de um dos dois ventrículos. 1-4 A função do VD, bem como suas dimensões, está diretamente interligada à função sistólica do VE. A dilatação do VD e a redução de sua força contrátil é frequentemente encontrada em estágios avançados de disfunção ventricular esquerda, evidenciando a estreita correlação interventricular. 5-7 É conhecido que nos pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção do VE reduzida, a dinâmica dos fluxos e pressões está alterada, influenciando o tamanho e a função de outras cavidades cardíacas. Entretanto, a relação entre insuficiência cardíaca com fração de ejeção do VE preservada e aumento das dimensões do VD com redução de sua função sistólica tem documentação reduzida na literatura. 4 O mesmo ocorre em relação à disfunção diastólica do VE (DDVE) e seus achados mais importantes como aumento do átrio esquerdo (AE), hipertrofia ventricular esquerda (HVE) e a sua influência sobre a função sistólica e volumes do VD. Particularmente, o AE reflete a disfunção diastólica ventricular esquerda, uma vez que as tensões parietais causadas pela elevação das pressões de enchimento aumentadas no VE levam a sua dilatação. 4 Ainda não existem trabalhos na literatura avaliando especificamente a influência de tamanho e volume atriais esquerdos (VAE) sobre diâmetros e função sistólica do VD. Assim sendo, o objetivo do presente estudo foi avaliar a correlação entre diâmetro e VAE em indivíduos com e sem DDVE e presença de HVE e função e diâmetros ventriculares direitos. Metodologia Pacientes Estudo de coorte observacional transversal. Foram selecionados por conveniência 50 pacientes ambulatoriais consecutivos usuários do sistema público de saúde, que realizaram ecocardiograma transtorácico (ETT), com quantificação de função diastólica ventricular esquerda, diâmetro e VAE, presença de HVE e função sistólica e diâmetros ventriculares direitos. Dentre a população ambulatorial referendada pelo médico assistente para realização de ETT, por qualquer indicação clínica, foram selecionados pacientes de ambos os sexos, acima de 18 anos de idade, de qualquer etnia. Os critérios de exclusão foram: presença de disfunção sistólica do VE global (fração de ejeção < 52% para homens e < 54% para mulheres) ou segmentar, doenças infiltrativas e pericardiopatias, doença pulmonar obstrutiva crônica/ asma, valvopatias moderadas a graves com repercussão hemodinâmica, defeitos do septo interatrial ou interventricular, pacientes com impossibilidade de análise da função diastólica do VE (valvopatias com repercussão hemodinâmica, fibrilação atrial no momento do exame, transplante cardíaco, presença de marca-passo definitivo), presença de bloqueio completo do ramo esquerdo ou direito ao eletrocardiograma e pacientes com DDVE grau III. Os seguintes dados clínicos foram coletados: idade, sexo, peso, altura, índice de massa corpórea, presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes melito (DM), doença arterial coronariana (DAC), tabagismo (atual ou pregresso) e dislipidemia. Os diagnósticos da HAS, DM, dislipidemia e tabagismo constavam dos prontuários dos pacientes e/ou foram relatados pelos mesmos (informação referida). O diagnóstico de HAS foi realizado considerando presença de pressão arterial ≥ 140/90 mmHg para pressão sistólica e diastólica, respectivamente, em pelo menos duas ocasiões, ou uso demedicação anti-hipertensiva pelo paciente. 8 O diagnóstico de DM foi considerado na presença de: (1) sintomas de poliúria, polidipsia e perda ponderal acrescidos de glicemia casual > 200 mg/dl. Compreende‑se por glicemia casual aquela realizada a qualquer hora do dia, independentemente do horário das refeições; (2) glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl (7 mmol/l); (3) glicemia de 2 horas pós‑sobrecarga de 75 g de glicose > 200 mg/dl; e (4) hemoglobina glicada A1C ≥ 6,5% ou uso de medicação hipoglicemiante ou insulina pelo paciente. 9 Dislipidemia foi considerada seguindo a V Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção de Aterosclerose, sendo considerado colesterol total > 200 mg/dl, colesterol de lipoproteínas de alta densidade (HDL) < 40 mg/dl para homens e < 50 mg/dl para as mulheres, colesterol de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) > 160 mg/dl, triglicerídeos > 150 mg/dl ou uso de medicações para dislipidemia pelo paciente. 10 A presença de DAC foi confirmada por dados de prontuário médico, incluindo: infarto do miocárdio não fatal e revascularização miocárdica cirúrgica ou percutânea. Todos os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, sendo que uma ficou em posse do participante da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local. Avaliação ecocardiográfica Os seguintes equipamentos de ecocardiografia foram utilizados: iE33™ (Phillips), EnVisor™ (Phillips) e Vivid™ e (GE), todos com software de imagem harmônica habilitado. Os exames foram realizados por dois ecocardiografistas experientes comhabilitaçãoemETT.Os dados ecocardiográficos tabulados foram função diastólica do VE (normal, grau I e grau II), presença de HVE concêntrica e excêntrica, tamanho e VAE, dimensões emedida de função sistólica doVD. O tamanho atrial esquerdo foi medido linearmente na janela paraesternal longitudinal utilizando os modos M e bidimensional. O VAE foi estimado nas janelas apical 4 câmaras e 2 câmaras, de acordo com recomendações atuais. 5-8 Na avaliação da função diastólica ventricular esquerda, foram consideradas primordialmente variáveis altamente específicas – com o objetivo de reduzir os resultados falso-positivos. São elas: relação das velocidades do fluxo transmitral E e A (< 0,8); avaliação pelo Doppler tecidual da velocidade e’ anular (septal < 7 cm/s e lateral < 10 cm/s); relação média E/e’ > 14; volume indexado do AE obtido nas janelas 2 e 4 câmaras > 34 ml/m 2 ; e pico da velocidade da regurgitação tricúspide 250

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