ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Minieditorial Manuseio Clínico da Doença de Chagas na Fase Aguda: O Desafio Continua no Século 21 An Approach to The Acute Phase of Chagas’ Disease: The Continuing Challenge it Presents in the 21 st Century Dário C. Sobral Filho 1, 2 Universidade de Pernambuco – Cardiologia, 1 Recife, PE – Brasil Memorial Coração – Cardiologia, 2 Recife, PE – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Avaliação Cardíaca na Fase Aguda da Doença de Chagas com Evolução Pós-Tratamento em Pacientes Atendidos no Estado do Amazonas, Brasil Correspondência: Dário C. Sobral Filho • Universidade de Pernambuco – Cardiologia - Rua dos Palmares, 262. CEP 50100-060, Santo Amaro, Recife, PE – Brasil E-mail: dsobral@cardiol.br , dario.sobral@upe.br Palavras-chave Doença de Chagas/epidemiologia; Trypanosoma Cruzi; CardiomiopatiaChagásica/epidemiologia; EcosistemaAmazônico. DOI: 10.5935/abc.20190035 A doença de Chagas, além de se encontrar disseminada no continente americano, com cerca de seis milhões de pessoas infectadas, atualmente está presente em diversas regiões do mundo em consequência da migração de pessoas com a doença. 1,2 As estatísticas mostram que a incidência de casos agudos diminuiu de 700.000 novos casos em 1990 para a estimativa atual de 29.000 à 30.000 casos agudos anuais de transmissão vetorial, somados a outros 8.000 casos originados anualmente por transmissão congênita e por outras vias de transmissão como a via transfusional e a via digestiva, por consumo de alimentos contaminados pelo Trypanosoma cruzi , 2 como abordado por Ortiz et al. 3 em sua publicação nesse periódico, em que relatam o registro de 63 casos de forma aguda da doença de Chagas no estado do Amazonas no período de oito anos, com transmissão oral em 75% dos pacientes. Embora com significativa redução anual de sua incidência e prevalência nas Américas, a doença de Chagas continua sendo um grave problema de saúde pública, provocando a morte de cerca de 12.000 pessoas por ano. Essa doença também está associada a um alto custo socioeconômico, estimado recentemente em 500 milhões de dólares na América Latina, e uma perda anual de 770.000 anos de vida (ajustados) por morte prematura ou perda de anos produtivos por incapacidade física. 4 A lenta evolução nos métodos laboratoriais de diagnóstico e no desenvolvimento de novos medicamentos de melhor eficácia e tolerabilidade pelos pacientes, além da precariedade das políticas de saúde pública direcionadas para a extinção da doença, fazem com que ela seja classificada como uma “Doença Negligenciada”. 1,2,5,6 Calcula-se que apenas 1% dos pacientes infectados pelo T. cruzi recebam anualmente o diagnóstico e tratamento apropriados. 2 O artigo de Ortiz et al., 3 chama atenção para alguns fatos importantes: o primeiro diz respeito ao aumento da incidência de casos agudos por transmissão oral na Região Amazônica onde tem sido registrado casos da forma aguda isolados ou em surtos, emmicroepidemias familiares, de transmissão por via oral, através de alimentos contaminados com triatomíneos ou suas fezes. Outros autores têm destacado a característica epidemiológica regional 1,7-10 e observa-se ainda que esse tipo de transmissão parece ser muito mais eficaz do que pela via vetorial. O outro aspecto ressaltado pelos autores é o caráter menos agressivo da doença sobre o coração, com um elevado percentual de pacientes da sua amostra sem evidências de miocardite quando avaliados pelo eletrocardiograma (70% normais) e pelo ecocardiograma transtorácico (87% normais). Embora a sensibilidade desses dois métodos para detecção da miocardite tenha limitações discutíveis, é provável que características peculiares regionais possam explicar esses achados. A partir de estudos de genotipagem do T. cruzi, Ortiz et al., 3 sugerem que a menor prevalência de alterações cardíacas dos seus pacientes possa estar relacionada a linhagem de T. cruzi denominada TclV presente em pacientes de surtos, cuja patogenicidade, embora não muito bem conhecida, pode ter menor morbidade quando comparada a linhagem TcII presente em outras áreas endêmicas. 11 A aplicação dos novos conhecimentos da genética e a realização de estudos longitudinais desenhados para testar essa hipótese, provavelmente irão trazer informações relevantes para a abordagem diagnóstica e terapêutica desses pacientes. Por último, merecem destaque os achados de Ortiz et al., 3 sobre o tratamento da fase aguda da doença de Chagas com a droga Benznidazol. As informações a respeito deste tema, no entanto, são escassas, baseadas em estudos não randomizados, com número de pacientes e tempo de observação insuficientes. Embora a definição sobre os critérios de cura da doença permaneça controversa, existe um consenso atual de que o tratamento com Benznidazol deve ser realizado nas formas agudas e que existe um provável benefício a longo prazo. 1,2,10,12 O pequeno tamanho da amostra, o período relativamente curto de acompanhamento e a adoção de desfechos substitutos na avaliação dos resultados são limitações que ocorrem com certa frequência nas publicações sobre este tema e que também estão presentes no estudo de Ortiz et al., 3 Entretanto, as informações apresentadas são significativas e podem fornecer elementos para futuras pesquisas superando tais limitações e trazendo novos conhecimentos para melhorar o diagnóstico e o tratamento da doença de Chagas. 247

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