ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Artigo Original Ortiz et al Avaliação cardíaca na doença de chagas aguda Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):240-246 Introdução A Doença de Chagas (DC) é uma doença infecciosa emergente, causada pelo Trypanosoma cruzi , descoberta em 1909 pelo médico Carlos Chagas, que descreveu suas manifestações clínicas e características morfológicas do parasita. 1 Estima-se que aproximadamente 75 milhões de pessoas encontram-se em risco de adquirir a doença, e que 8 milhões estejam infectados pelo parasita em todo o mundo. 2 A DC apresenta duas fases clínicas – uma fase aguda e uma fase crônica. Na DC aguda, sintomas clínicos não específicos podem retardar o diagnóstico e o tratamento da doença, o que representa um problema de saúde pública. Em alguns casos, a ausência de sintomas pode levar a uma forma crônica indeterminada da doença, ou posteriormente progredir para a forma digestiva, cardíaca ou mista. 3,4 A infecção por via oral é a mais provável de causar sintomas e aumentar a taxa de mortalidade. Ainda, pode levar a alterações cardíacas e o sintoma mais preocupante dessa fase, a miocardite difusa com alterações nos resultados do eletrocardiograma (ECG) de ecocardiografia transtorácica (ETT). 5,6 Devido às características genéticas do parasita supostamente associadas com manifestações clínicas da DC, em 1998, Tibayrenc 7 propôs uma nova classificação para a diversidade genética do parasita. Em uma revisão publicada em 2009, um consenso estabeleceu uma divisão em seis genótipos, denominados Unidades Discretas de Tipagem (DTU, do inglês Discrete Typing Units ”) TcI-TVI. 8 Muitos casos agudos da doença foram documentados na Amazônia brasileira, sendo a maior parte deles concentrados nos estados do Pará e do Amazonas, 9-14 com os primeiros casos registrados nesses estados em 1968 e 1980, respectivamente. 15,16 Posteriormente, microepidemias de casos agudos foram relatados, e a maioria deles associados com a ingestão de alimentos contaminados, tais como os frutos do açaí e da bacaba, e carnes de animais silvestres. 3,17,18 Nas últimas duas décadas, inúmeros casos agudos relacionados à transmissão oral foram registrados, com seis surtos no estado do Amazonas. 5,19-21 As DTU do T.cruzi relacionada a esses casos foram TcIV e Z3 (TcIII/TcIV). 21,22 Apesar de a DC ser amplamente estudada na região da Amazônia brasileira, no estado do Amazonas, ainda existem poucos dados sobre o perfil epidemiológico da DC aguda e, mais importante, poucos estudos sobre manifestações cardíacas da doença e estudos incluindo o acompanhamento pós-tratamento desse grupo de pacientes. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever as alterações cardíacas em pacientes autóctones que apresentaram DC após um ano ou mais do tratamento com benzonidazol. Métodos Este foi um estudo longitudinal de pacientes atendidos no Hospital Universitário FranciscaMendes para acompanhamento cardíaco. Todos os participantes tinham um diagnóstico confirmado de DC aguda pela Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, de janeiro de 2007 a julho de 2015. População do estudo Os pacientes foram incluídos considerando os seguintes critérios – um resultado positivo no teste laboratorial, no teste parasitológico direto (esfregaço sanguíneo ou o xenodiagnóstico), ou reatividade no teste imunológico (IgM anti- T.cruzi ) (ensaio de imunoabsorção enzimática – ELISA e/ou teste de imunofluorescência direta – IFA), além do histórico epidemiológico (como ser originário da região da Amazônia brasileira). Pacientes que mencionaram alguma viagem para outra região do Brasil ou para outro país, pacientes que não aderiram ao tratamento e aqueles com tratamento incompleto foram excluídos do estudo. Coleta de dados e tratamento Exames cardiológicos, ECG de 12 derivações e ETT foram analisados antes e um ano ou mais após o final do tratamento. Para obtenção de dados pré-tratamento (ECG, ETT, dados demográficos, epidemiológicos e clínicos), realizou-se uma análise retrospectiva de todos os casos registrados no sistema de prontuários médicos eletrônicos (iDoctor  ) entre 2007 e 2015. Durante o período pós-tratamento, realizamos uma avaliação prospectiva dos pacientes, incluindo avaliação clínica, e realização ECG e ETT. A ECG com 12 derivações foi feita utilizando o programa Wincardio (Micromed) e o ETT realizado utilizando o aparelho Vivid 3, GE, seguindo-se as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia. Todos os pacientes foram tratados com benzonidazol (Rochagan®), 5-7 mg/kg por 60 dias, segundo o II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas de 2015. 23 Qualquer alteração cardíaca no ECG ou ETT foi considerada para descrição das alterações cardíacas na fase aguda da DC. Análise estatística Os dados clínicos e epidemiológicos foram organizados usando o programa Excel 2016, e analisados usando o programa Stata/MP 13,0 . Para as variáveis categóricas, foi utilizado o teste exato de Fisher e os resultados apresentados em tabelas, como frequências absolutas e relativas, seguidas dos valores-p correspondentes. A distribuição das variáveis contínuas foi testada quanto à normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk; para aquelas com distribuição normal, foi usado o teste t de Student não pareado, e os resultados apresentados em média ± DP, e o teste de soma dos postos de Wilcoxon (Mann-Whitney) usados para dados sem distribuição normal, e apresentados como mediana e intervalos interquartis. Assumiu-se um intervalo de confiança de 95% (IC95%, p < 0,05) para todos os testes estatísticos. Considerações éticas O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Amazonas (número 923.701/2014), e realizado de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. 241

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