ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Minieditorial Estudos Coorte com Dados de Mortalidade da População Brasileira: Uma Necessidade Nacional Crescente Cohort Studies with Mortality Data from the Brazilian Population: a Rising National Requirement Thiago Veiga Jardi m Universidade Federal de Goiás - Liga de Hipertensão Arterial, Goiânia, GO – Brasil Minieditorial referente ao artigo: A Troponina I de Alta Sensibilidade Elevada na Fase Estabilizada após Síndrome Coronariana Aguda Prevê Mortalidade por Todas as Causas e Mortalidade Cardiovascular em uma População Altamente Miscigenada: Uma Coorte de 7 Anos Correspondência: Thiago Veiga Jardim • Universidade Federal de Goiás - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde - Primeira Avenida, s/n, Setor Leste Universitário, Goiânia, GO – Brasil E-mail: thiagoloirin@hotmail.com Palavras-chave Estudos de Coortes; Mortalidade; Saúde Pública; Tomada de Decisão Clínica; Fatores de Risco; Síndrome Coronariana Aguda. DOI: 10.5935/abc.20190038 Estudos do tipo coorte que avaliam preditores de mortalidade são de extrema importância para estabelecer prioridades de saúde pública, e são fundamentais para tomadas de decisões clínicas. Esses estudos são particularmente relevantes em países de renda baixa a média, uma vez que os recursos destinados à saúde são limitados e podem ser mais bem administrados. No entanto, historicamente, estudos tradicionalmente epidemiológicos avaliando o impacto de fatores de risco sobre a mortalidade têm sido conduzidos em países de alta renda. 1 Resultados de estudos coorte realizados no mundo desenvolvido têm sido extrapolados e amplamente utilizados em países emdesenvolvimento. Isso pode representar umproblema, dadas as diferenças de populações e no manejo das doenças, reforçando a necessidade de se realizarem mais estudos coorte com acompanhamento em longo prazo, que incluam dados de mortalidade em países de renda baixa a média. Ao longo dos anos, grupos de pesquisa no Brasil e no mundo têm se esforçado para gerar mais e mais dados de mortalidade que sejam precisos, confiáveis e resultantes de estudos coorte bem desenhados. Nesta edição do Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Castro et al. 2 publicaram um dos muitos exemplos desses esforços. Os autores utilizaram dados do estudo ERICO ( Strategy of Registry of Acute Coronary Syndrome ) 3,4 para avaliar a hipótese de que níveis elevados de troponina I ultrassensível (hs-cTnI), medidos entre 25 a 90 dias após um evento de síndrome coronariana aguda (SCA), estão associados com maior mortalidade por todas as causas e maior mortalidade cardiovascular. Esse estudo coorte prospectivo foi delineado para investigar a epidemiologia da SCA no Brasil, e realizado em um hospital geral de nível secundário em São Paulo. Pacientes com SCA, com idade de 35 anos ou mais, foram recrutados consecutivamente. Dados sociodemográficos, clínicos, e sobre o tratamento foram obtidos na internação, juntamente com a coleta de amostra de sangue. Após 30 dias, foram realizados atualização da história clínica, coleta de outras amostras de sangue e de urina, exame de retinografia, e avaliação da espessura da íntima-média da artéria carótida, da variabilidade da frequência cardíaca e da velocidade de onda de pulso. A frequência de consumo alimentar, a prática de atividade física, apneia do sono e depressão foram avaliadas utilizando questionários específicos. Ainda, seis meses após o evento, e em seguida anualmente, foram coletadas informações por telefone. Foram medidos os níveis de hs-cTnI em 525 pacientes entre os dias 25 e 90 após internação por SCA. Dados de mortalidade foram obtidos por acompanhamento desses pacientes durante sete anos. Pacientes no tercil mais alto de hs-cTnI apresentaram uma razão de risco ( hazard ratio , HR) mais alta para mortalidade por todas as causas em comparação a pacientes no tercil mais baixo, após ajuste para idade, sexo, fatores de risco cardiovasculares, uso de medicamentos, e fatores demográficos (HR: 3,84; IC 95% 1,92 – 8,12). Esses achados persistiram após ajuste quanto à taxa de filtração glomerular estimada < 60 mL/min/1,73 m 2 e fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 0,40 (HR: 6,53; IC 95%: 2,12 – 20,14). A mortalidade cardiovascular foi significativamente mais alta no quartil mais alto após ajuste para idade e sexo (HR: 5,65; IC 95%: 1,94-16,47), tanto no primeiro como no segundo modelo de ajuste multivariado (HR: 5,89; IC 95%: 1,08-32,27). Os autores concluíram que níveis elevados de hs-cTnI na fase estável após um evento de SCA fornece informações prognósticas de longo prazo, as quais são independentes de comorbidades, função renal e fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Apesar de os achados não serem necessariamente inéditos, como os autores mencionam no artigo, esses resultados são únicos para a população brasileira (uma população altamente mista). Ainda, alguns aspectos do estudo de Castro et al. aumentam a sua força. O estudo foi realizado em um hospital comunitário, sem uma equipe de cardiologia específica, o que corresponde à realidade da maioria dos hospitais no Brasil. O tamanho da amostra estudada foi grande, com acompanhamento em longo prazo, de forma que o estudo provavelmente representa um dos mais importantes estudos com dados prognósticos utilizando biomarcadores em pacientes com SCA em nosso país. Foram obtidos dados de mortalidade de todos os pacientes (contatados ou não durante o acompanhamento), sugerindo ausência de viés na avaliação de mortalidade por todas as causas. A principal limitação do estudo de Castro et al., 2 é seu caráter unicêntrico, o que foi discutido pelos autores no artigo. 238

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