ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Artigo Original Castro et al Troponina elevada após SCA Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):230-237 Introdução A síndrome coronariana aguda (SCA) é um importante fator de mortalidade e a principal causa de anos de vida perdidos em todo o mundo. 1 Nas últimas décadas, diversas intervenções terapêuticas têm se mostrado benéficas no tratamento da SCA, e estratégias voltadas ao diagnóstico precoce e ao tratamento adequado têm sido recomendadas por várias sociedades de cardiologia. 2-5 Devido aos progressos alcançados na terapêutica da SCA, um grupo heterogêneo de sobreviventes desta condição recebeu acompanhamento de longo prazo por parte dos serviços médicos. O prognóstico dos pacientes na fase estabilizada após a SCA varia de forma ampla; 6 a validação de marcadores prognósticos de baixo custo e fácil obtenção pode melhorar a estratificação de risco a longo prazo para essa população. Diversos estudos demonstraram que as troponinas cardíacas (Tnc) são mais sensíveis e específicas para o diagnóstico de infarto do miocárdio (IM), e têm uma maior correlação com níveis mais altos de mortalidade do que o padrão de referência anterior, a isoenzima creatina quinase-MB (CK-MB). 7-11 Nas últimas duas décadas, foram desenvolvidas novos ensaios que conferiram maior sensibilidade ao diagnóstico de IM; essas Tnc de alta sensibilidade (Tnc-as) demonstraram maior precisão na identificação de pacientes com maior risco de morte, mesmo naqueles que tinham níveis de Tnc de primeira geração indetectáveis. 12 Mais recentemente, o uso de TnT-as comomarcador prognóstico na fase subaguda após umepisódio de SCA foi estudado em uma coorte europeia de pacientes brancos. 13 Esses achados não foram replicados em populações mais heterogêneas de países emdesenvolvimento. Nesta coorte observacional unicêntrica, temos como objetivo estudar a associação entre níveis elevados de TnI-as e as mortalidades por todas as causas e cardiovascular, a longo prazo, em uma população altamente miscigenada no Brasil. Métodos O desenho do estudo da Estratégia de Registro de Insuficiência Coronariana (ERICO) foi descrito em detalhes em outros trabalhos. 14,15 Resumidamente, o ERICO é um estudo de coorte prospectivo de pacientes com SCA matriculados entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2013 em um hospital comunitário em São Paulo, Brasil. Todos os pacientes com suspeita de SCA no departamento de emergência foram selecionados para participação no estudo. Os participantes do ERICOprecisavampreencher os critérios diagnósticos de infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMST), infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST (IAMSST) ou angina instável (AI); os critérios utilizados para definir as síndromes coronarianas agudas eram: 14 1) IM: presença de sintomas compatíveis com isquemia cardíaca dentro de 24 horas da apresentação hospitalar, e níveis de troponina I acima do percentil 99, com um coeficiente de variação < 10% do teste específico. 1a) IAMST: presença dos critérios para IM mais um dos seguintes: elevação persistente do segmento ST de ≥ 1 mm em duas derivações eletrocardiográficas contíguas, ou presença de um novo ou presumivelmente novo bloqueio do ramo esquerdo. 1b) IAMSST: presença dos critérios para IM, mas não IAMST. 2) AI: sintomas compatíveis com isquemia cardíaca 24 horas antes da admissão hospitalar, ausência de critérios do IM, e pelo menos um dos seguintes: (a) histórico de doença arterial coronariana; (b) teste de estratificação positivo para doença coronariana (invasiva ou não-invasiva); (c) alteração transitória do segmento ST ≥ 0,5 milímetros em duas derivações contíguas, nova inversão de onda T de ≥ 1 mm e/ou pseudo-normalização de ondas T anteriormente invertidas; (d) troponina I > 0,4 ng/ml; ou concordância diagnóstica de dois médicos independentes Durante a fase intra-hospitalar, todos os participantes foram tratados pela equipe assistencial do hospital, sem influência da equipe do estudo. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. Todos os pacientes forneceram um termo de consentimento informado para o estudo. Os participantes foram entrevistados durante a admissão hospitalar, e forneceramdados sobre fatores sociodemográficos, histórico médico e principais fatores de risco cardiovascular (hipertensão, diabetes, obesidade, dislipidemia, tabagismo, sedentarismo, uso de cocaína, menopausa e histórico familiar e pessoal de doenças coronarianas). Três médicos foram responsáveis por revisar as informações dos pacientes e validar os casos de SCA. Seguindo o protocolo do estudo, foi coletada uma amostra de sangue para exames laboratoriais (troponina I, CK-MB, glicose sérica, colesterol total, colesterol HDL e LDL, triglicérides e contagem total de células sanguíneas). Aproximadamente 30 dias após o evento, os participantes foram convidados a passar por nova avaliação médica presencial, para atualizar os dados sobre a estratificação do risco cardiovascular, uso atual de medicação e dados clínicos adicionais. Novas amostras de sangue também foram coletadas. Seis meses após o evento-índice, e a partir de então, anualmente, todos os participantes foram contatados por telefone para atualizar as informações sobre seu estado vital, histórico cardiovascular, medicações e sintomas. Todos os participantes inscritos no estudo ERICO que tiveram amostras de sangue coletadas entre 25 e 90 dias após um episódio de SCA foram incluídos nesta análise. O limite inferior desse intervalo foi escolhido para evitar confusões causadas pelos níveis elevados esperados de Tnc circulante nos primeiros dias após um episódio de SCA; o limite superior de 90 dias permite comparação com estudos anteriores, 13,16 embora atualmente não haja na literatura uma definição amplamente aceita de fase subaguda após a SCA. A Tnc-as foi medida em todos os pacientes, na apresentação hospitalar e na fase subaguda após o evento. O ensaio utilizado para medir a TnI-as foi o Advia Centaur TnI-Ultra Assay (Siemens Medical Solutions Diagnostics, Tarrytown, Nova York, EUA), com valor de referência de 0.04mcg/L no 99 o percentil em sujeitos saudáveis, e coeficiente de variação menor do que 10% neste intervalo. Os sujeitos foram classificados em três subgrupos, conforme os tercis de TnI-as na fase subaguda após o evento índice de SCA. Neste estudo, nossos desfechos foram mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular. Pesquisamos regularmente os registros oficiais de óbitos para obter 231

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