ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Minieditorial Adiposidade Abdominal e Espessura Médio-Intimal das Carótidas: Uma Associação Abdominal Adiposity and Intima-Media Carotid Thickness: An Association Mário Sérgio Soares de Azeredo Coutinh o Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, SC – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Indicadores de Adiposidade Abdominal e Espessura Médio-Intimal de Carótidas: Resultados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto - ELSA-Brasil Correspondência: Mario Coutinho • Universidade Federal de Santa Catarina - Clínica Médica - Hospital Universitário 3º andar. CEP 88040-900, Campus Universitário, Florianopolis, SC – Brasil E-mail: mcoutinho@gmail.com Palavras-chave Colesterol; Hipertensão; Fatores de Risco; Obesidade Abdominal; Doenças das Artérias Carótidas/mortalidade; Espessura Intima. DOI: 10.5935/abc.20190023 A aterosclerose é a principal causa de morbimortalidade em adultos no Brasil e no mundo. Fatores de risco clássicos mostraram sua relação causal a partir de estudos experimentais randomizados como é o caso do colesterol e da hipertensão arterial. Outros fatores de risco, entre eles a adiposidade abdominal, mostram associações positivas com desfechos relacionados à aterosclerose. O estudo observacional ELSA-Brasil 1 iniciou a coleta de dados em 2008 com variáveis clínicas, epidemiológicas e laboratoriais de 15.105 funcionários públicos com idade de 35 a 74 anos. Vários artigos sobre estes dados já foram publicados e trouxeram informações relevantes sobre a relação entre fatores de risco e desfechos variados. Na presente publicação, Michaela Eickemberg et al., 2 apresentam dados de um estudo transversal que explora diferentes medidas de adiposidade abdominal e sua associação com a medida da espessura médio-intimal das carótidas (EMI-C). Estudos epidemiológicos procuram encontrar associações plausíveis entre fatores de risco e desfechos clínicos ou “substitutos” (aqui representado pela EMI-C). Associações podem, ou não, ser causais. Para que uma associação entre variáveis indique uma possível causalidade, é necessário que alguns critérios, propostos pelo estatístico britânico Austin Bradford Hill, 3 sejam considerados. São eles: a) força da associação (magnitude do efeito); b) consistência (ou reprodutibilidade); c) especificidade (uma doença, uma variável); d) temporalidade (causa antes do efeito); e) gradiente biológico (maior exposição, mais doença); f) plausibilidade (mecanismo conhecido); g) coerência (entre laboratório e clínica); h) experimento (nem sempre possível); i) analogia (comparação com situações semelhantes). Aplicando estes critérios ao estudo em questão temos: a) a magnitude do efeito adiposidade abdominal sobre a EMI-C é modesta ( odds ratio em torno de 1,4); b) há outros estudos que comprovam esta associação; c) adiposidade abdominal não é a única causa da aterosclerose; d) é provável que a adiposidade anteceda o espessamentomédio-intimal; e) não temos evidência definitiva de um gradiente biológico; f) há plausibilidade biológica para a associação explorada; g) a coerência entre dados laboratoriais e a clínica está presente; h) experimentos com animais mostram que dietas hiperlipêmicas afetam diretamente as artérias; i) em analogia com outros fatores de risco, a adiposidade abdominal pode significar mais adiposidade arterial. De todos estes critérios, apenas um é “ sine qua non ” para causalidade: a temporalidade, ou seja, a causa antes do efeito. Sendo o presente estudo de desenho transversal a temporalidade está, por definição, excluída. Portanto, estamos discutindo uma associação não-causal. A conclusão principal do estudo é de que há uma associação estatisticamente significativa entre os diferentes índices de adiposidade abdominal e a EMI-C, sendo que, o mais singelo destes (a circunferência abdominal) mostrou a maior força de associação no modelo logístico, ajustado para variáveis de confusão selecionadas. Com estes comentários queremos colocar em perspectiva a importância da análise crítica dos estudos observacionais. Esta crítica é necessária, porém temos que enfatizar que, sem os estudos observacionais a ciência médica não teria evoluído até aqui. O conhecimento das doenças que acometem o ser humano teve como alicerce dados provenientes de observações cuidadosas analisadas de forma a reduzir o efeito de viéses estatísticos e sistemáticos. O estudo ELSA-Brasil e seus subestudos, como o de Eickemberg et al., 1 se encaixam neste perfil de qualidade, tão necessária à Ciência. Com criteriosa coleta de dados e um grupo de pesquisadores comprometidos comumpadrão de qualidade excelente, o ELSA-Brasil tem trazido informações valiosas sobre fatores de risco de um grupo específico de brasileiros, dados estes que podem orientar futuras políticas de saúde. A causalidade da adiposidade abdominal sobre eventos clínicos relacionados à aterosclerose, tem sido confirmada recentemente pela randomização mendeliana, -método observacional de estimação de efeitos causais utilizando variantes genéticas como variáveis instrumentais. 4,5 228

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