ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Atualização Atualização da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):326-368 milhões de atletas do ensino médio participando de esportes, sendo que as mulheres compreendiam mais de 40% dessa população. 258 No decorrer da história, atletas do sexo feminino foram sub-representadas no conjunto de pesquisas que norteavam a cardiologia do exercício e do esporte. No entanto, nas últimas três décadas foi observado um aumento exponencial no número de mulheres participantes de esportes competitivos. Dessa forma, o gênero feminino passou a ser visto como uma importante variável biológica neste contexto. Assim como nos homens, o organismo das mulheres atletas também sofre adaptações fisiológicas ao treinamento físico, podendo apresentar alterações cardíacas estruturais e elétricas compatíveis com o “coração de atleta”. Tais adaptações podem ocorrer em todos os atletas, mas sua magnitude depende de vários fatores, dentre eles o gênero. As mulheres apresentam diferenças antropométricas, fisiológicas e bioquímicas, pois são menores, com menor massa corporal e ventricular esquerda, têm menos testosterona e capacidade de trabalho físico diferente. 259 Do ponto de vista hemodinâmico, encontramos FC de repouso maior, mas atingindo níveis máximos durante o esforço de maneira semelhante ao homem. A PAS e o volume sistólico aumentammenos no esforço e o consumo máximo de O 2 (VO 2 máx) é menor, porém, com um débito cardíaco 5% a 10% maior que os homens em qualquer nível de consumo de oxigênio submáximo. 260 Se comparada em valores absolutos, a capacidade de trabalho feminino é menor que a do homem, mas se avaliada no mesmo percentual de intensidade mostra desempenho cardiovascular semelhante. Como o treinamento físico pode promover uma série de modificações e adaptações no sistema cardiovascular, saber diferenciar as respostas fisiológicas cardíacas induzidas pelo exercício regular daquelas consideradas patológicas pode constituir um desafio para o médico quando uma atleta se apresenta para uma avaliação clínica cardiológica detalhada. 7.2. Exames Complementares 7.2.1. Eletrocardiograma de 12 Derivações 7.2.1.1. Alterações no Eletrocardiograma: Fisiológicas versus Sugestivas de Cardiopatias O ECG pode se apresentar de maneira distinta entre atletas dos sexos feminino e masculino tanto no que diz respeito às adaptações fisiológicas quanto àquelas consideradas patológicas. No entanto, os dados sobre diferenças específicas no ECG entre os gêneros são limitados. Usando os critérios de Pelliccia et al., 261 publicados em 2000, as mulheres apresentaram maior prevalência de ECG normais quando comparadas aos homens (78% versus 55%), em uma coorte de atletas olímpicos europeus. Por outro lado, ao se utilizarem os bem mais recentes critérios de Seattle, 262 não se observam diferenças significativas entre os gêneros (96% dos homens versus 97% das mulheres). Esse grande contraste pode ser justificado pelo fato de os Critérios de Seattle serem bemmais rigorosos, o que aumenta a especificidade sem que ocorra perda na sensibilidade. As mulheres atletas parecem apresentar menor prevalência de alterações ditas fisiológicas no ECG, principalmente quando se trata do aumento isolado da amplitude do complexo QRS (atingindo cerca de 10% das mulheres), bloqueio incompleto do ramo direito e repolarização precoce (4 vezes menos quando comparado aos homens). 263,264 Por outro lado, atletas do sexo feminino apresentam maior frequência de aumento no intervalo QT, além de inversão da onda T nas derivações de V1-V2 (prevalência de 1% versus 0,2% para atletas do sexo masculino), 265 sendo tais achados considerados como uma adaptação não patológica. A inversão da onda T em paredes inferior e/ou lateral é mais prevalente em atletas do sexo masculino, associando-se mais comumente com doença cardíaca estrutural subjacente. 266 Por outro lado, a inversão de onda T precordial anterior é mais comum nas mulheres e, quando limitadas particularmente às derivações V1-V3, não parece se relacionar com doença cardíaca estrutural. 267,268 Entretanto, alterações da repolarização ventricular em derivações laterais são menos comuns e sempre devem servir de alerta para uma possível patologia. 269 Um ponto importante a ser considerado é que as diretrizes internacionais para a interpretação do ECG do atleta não diferem os achados eletrocardiográficos em gênero, mas são unânimes em estipularem um ponto de corte mais alto para o intervalo QTc para mulheres do que para homens, já que as mulheres – independentemente do remodelamento cardíaco atlético – têm intervalos QTc mais prolongado do que os homens (≥ 480 ms versus ≥ 470 ms, respectivamente). 101,270 7.3. Ecocardiograma A ecocardiografia é uma das ferramentas disponíveis para triagem pré-participação e para determinar a elegibilidade esportiva. Emumestudo com600mulheres atletas de diferentes modalidades esportivas, foi evidenciado que a cavidade do VE raramente é maior do que 54 mm (valor considerado limítrofe para a normalidade nas mulheres) e nunca acima de 66 mm. A espessura da parede do VE raramente tem medida acima de 11 mm, atingindo no máximo 13 mm, geralmente em afrodescendentes. 225,271 Finocchiaro et al. 264 confirmaram estes achados, mostrando que nenhuma das mulheres estudadas apresentava espessura da parede do VE > 12 mm, e apenas 7% exibiam um DDVE > 54 mm. De fato, esses resultados apresentam relevância clínica, já que um VE com cavidade < 54 mm pode distinguir, por exemplo, o “coração de atleta” de uma MCH, com excelentes sensibilidade e especificidade. 272 Há muito já se sabe que uma das adaptações ao treinamento físico regular é o aumento da massa do VE, observado principalmente em atletas de endurance. No entanto, quando a espessura da parede do VE é acompanhada por redução no tamanho da cavidade, há a suspeita de um processo patológico, como a MCH. Espessura da parede do VE >12mm em homens ou > 10 mm em mulheres é considerada anormal em populações de atletas caucasianos e investigações adicionais se fazem necessárias. 273 Já em atletas afrodescendentes, pode-se observar uma espessura da parede do VE de 11 mm, podendo chegar a 12 ou até 13 mm em situações excepcionais. 271 Neste estudo, como nenhuma das atletas exibiu parede ventricular esquerda ≥ 13 mm, seria razoável inferir que espessura da parede do VE com um máximo de 13 mm provavelmente represente o limite superior fisiológico da hipertrofia do VE em atletas afrodescendentes 356

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