ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Atualização Atualização da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):326-368 provavelmente pequena significância e podem ser parte do espectro do coração de atleta. 153,154 Desta forma, nem todos os atletas com não compactação ventricular isolada têm o diagnóstico de não compactação. Portanto, há a necessidade de considerar parâmetros funcionais como a fração de ejeção para decisão de conduta. 154 4.5.1.1. Recomendações para Atletas com Diagnóstico de Miocardiopatia Não Compactada Atletas com diagnóstico inequívoco de MNC e função sistólica comprometida, importantes taquiarritmias ventriculares no Holter ou teste de exercício ou história de síncope não devem participar de esportes competitivos, com possível exceção para aqueles de baixa intensidade (classe IA), pelo menos até mais informações clínicas estarem disponíveis. Grau de recomendação: III. Nível de evidência: C. 4.6. Doença de Chagas A doença de Chagas continua a ser uma das mais importantes causas de miocardiopatia não isquêmica na América Latina. Estima-se que cerca de 8 a 10 milhões de pessoas estejam infectadas pelo Trypanosoma cruzi , 155 sendo este protozoário responsável por aproximadamente 12.000 mortes ao ano. 156 A doença costuma manifestar-se em 30% a 40% dos infectados, e os achados clínicos geralmente aparecem de 10 a 30 anos após a infecção inicial. 157 Arritmias cardíacas e MS são frequentes e podem ocorrer em qualquer período da evolução da doença, mesmo em indivíduos sem doença estrutural importante. 158,159 Taquicardia ventricular sustentada é a principal causa de MS, estando associada à presença de disfunção de VE, síncope e taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) no Holter ou no teste de exercício. 160,161 Além disso, disfunção do nó sinusal, distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular são achados comuns em pacientes com doença de Chagas, podendo progredir para BAV total. Poucas evidências avaliaram risco para MS em indivíduos com Chagas durante exercício intenso, e a ausência de sintomas não exclui a presença de miocardiopatia mesmo em atletas de alto nível. 162 O diagnóstico envolve avaliação epidemiológica e sorológicas (imunofluorescência). ECG e ecocardiograma auxiliam no diagnóstico de miocardiopatia e distúrbios da condução. TErg ou TCPE, RMN, Holter e até mesmo estudo eletrofisiológico podem avaliar de maneira mais acurada o risco de MS. As recomendações para exercício são semelhantes às dos indivíduos com MCD. 5. Canalopatias 5.1. Introdução As canalopatias são doenças cardíacas hereditárias arritmogênicas, sem comprometimento estrutural, causadas por alterações genéticas que resultam em disfunção dos canais iônicos cardíacos, expondo os seus portadores a risco de MS. 163 As canalopatias mais conhecidas são a SQTL, a síndrome do QT curto, a síndrome de Brugada e a taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC). 75 A doença do nó sinusal e a doença de Lenegre ou doença do sistema de condução também são exemplos de canalopatias. Os canais iônicos, as correntes de íons que transitam através desses canais, as proteínas que ligam a estrutura da membrana das células miocárdicas e as junções entre essas estruturas fazem parte da formação do impulso elétrico e da transmissão desses impulsos em todo o músculo cardíaco de forma sincrônica, gerando o potencial de ação cardíaco. 164,165 O desempenho de cada uma dessas funções é determinado por diferentes genes. As mutações que ocorrem em tais genes causam disfunções específicas e ocasionam as canalopatias. 166,167 Os canais iônicos presentes na membrana celular permitem a entrada e a saída de íons, seguindo um gradiente de voltagem. A alteração causada pela mutação genética em cada um desses canais pode gerar um ganho ou uma perda da função. Recentemente, com o aumento do conhecimento sobre essas entidades, o uso de desfibriladores e a avalição genética disponível em larga escala, decisões compartilhadas entre equipes médicas e familiares vêm permitindo uma conduta mais permissiva no tocante à participação em exercício nos portadores de canalopatias. 168 Recomendações detalhadas sobre as síndromes mais prevalentes estão descritas a seguir. 5.2. Síndrome do QT Longo A SQTL é o protótipo das canalopatias. Descrita pela primeira vez há mais de 50 anos como uma doença autossômica recessiva, a síndrome de Jervell e Lange- Nielsen 169,170 compreende surdez congênita, aumento do intervalo QTc e síncope ou MS. Posteriormente, uma forma autossômica dominante denominada síndrome de Romano-Ward (QTc prolongado sem surdez) foi descoberta. Atualmente, existem vários tipos de SQTL conhecidos, determinados por mutações em genes que causam alterações distintas na despolarização e na repolarização ventricular. As características clínicas típicas da SQTL incluem síncope ou MS associada a aumento do intervalo QTc e presença de taquiarritmias ventriculares como a torsade de pointes . 171 Classicamente, existem fatores desencadeantes da síncope na SQTL, e estes guardam relação com o seu subtipo e genótipo. Os gatilhos mais comuns são: atividade adrenérgica na SQTL1, despertar súbito e estímulo auditivo na SQTL2 e sono/repouso na SQTL3. Entretanto, existe uma ampla variedade de apresentações fenotípicas, podendo o portador de alguma mutação ser assintomático, não apresentar aumento do intervalo QTc ou cursar com síncope ou MS já nos primeiros dias de vida. Por isso, foram desenvolvidos critérios diagnósticos com pontuação para as alterações, divididos em três grupos principais: história clínica, história familiar e alteração eletrocardiográfica. 163 5.2.1. Alterações Genéticas da Síndrome do QT Longo A s a l t e r a çõe s g ené t i c a s s ão conhe c i da s em aproximadamente 60% dos casos clínicos de SQTL e ao menos 17 genes foram associados a esta entidade clínica. Geralmente, os pacientes apresentammutações em três genes específicos ( KCNQ1 , KCNH2 ou SCN5A ). 172 São centenas 346

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