ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Atualização Atualização da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):326-368 médica sistemática, uniformizada, capaz de abranger a ampla população de esportistas e atletas antes da realização de exercício regular moderado a intenso. Tem como proposta identificar doenças cardiovasculares que sejam incompatíveis com a realização de determinados tipos de exercício. O objetivo principal desta avaliação, realizada previamente ao início do exercício e periodicamente com a sua manutenção, é a prevenção do desenvolvimento de doenças do aparelho cardiovascular (DCV) e a detecção precoce de doenças causadoras de morte súbita (MS) cardíaca. Isto pode ser feito por meio da suspensão temporária ou definitiva da realização do exercício ou do tratamento de condições que possam ser potencialmente fatais e desencadeadas pelo mesmo. A American Heart Association (AHA), 4 a European Society of Cardiology (ESC) 5 e a SBMEE 3 concordam em recomendar a APP para todos os atletas profissionais. Também pode ser recomendada para a correta prescrição de exercícios em esportistas não profissionais, mas que realizam atividades em moderada a alta intensidade. Corrado et al. 6 já evidenciavam a importância da APP na prevenção de MS. Durante um período de 26 anos (1979-2004), quando a APP foi introduzida como lei federal na Itália, a incidência de MS cardíaca em atletas reduziu quase 90% – de 3,6 por 100.000 pessoas-ano no período de pré-avaliação, para 0,4 por 100.000 pessoas-ano no período de rastreio. Na atualidade, um dos principais aspectos na aplicação da APP é a sua custo-efetividade. Algumas sociedades como a AHA defendem a simples aplicação de um questionário e exame físico, acreditando que o custo financeiro e psicológico atrelado a resultados falso-positivos na realização de exames complementares, como o eletrocardiograma (ECG), não justificariam os benefícios que poderiam ser encontrados. 4 Outras entidades, como a ESC, além de inúmeras associações esportivas (p. ex., Federação Internacional de Futebol – FIFA, National Basketball Association – NBA), reforçam a utilização do ECG de repouso, pois sua realização tem capacidade de modificar a incidência de MS na população de atletas. 7,8 Apesar de não dispormos de trabalhos randomizados comparando os dois modelos de avaliação, sugerimos que a APP deva ser associada ao ECG de repouso de 12 derivações para atletas profissionais, considerando ser plenamente justificada sua indicação na tentativa de garantir a integridade do atleta e todo o custo envolvido na sua formação. 9-11 Alguns desses aspectos serão abordados neste documento, que visa estabelecer as normas para a APP em nosso país. Didaticamente, e também pelas diferenças relacionadas a fisiologia, epidemiologia e aspectos clínicos, optamos por dividir em dois grupos os indivíduos a serem avaliados: um formado por esportistas e outro por atletas profissionais. Uma zona de interseção entre eles sempre existirá, quando considerados vários aspectos do exercício, como intensidade, frequência e volume de treinamento. O bom senso da prática médica e a experiência individual do médico avaliador serão fundamentais na escolha do caminho a trilhar para a realização da APP nesses casos. Diante desta divisão, torna-se fundamental compreender o 1. Apresentação e Introdução O movimento faz parte do cotidiano do ser humano, o qual se desloca para ir de um lugar para outro, para carregar ou pegar algo, para se relacionar com outros e até mesmo pelo simples prazer de se movimentar. Dentro do contexto da presente Atualização será utilizada a definição clássica proposta por Caspersen et al., 1 em 1985, na qual todo movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos que resulta em gasto energético é denominado atividade física. Já o exercício físico pode ser conceituado como um tipo especial de atividade física que é planejada, estruturada e repetitiva, tendo como objetivos finais ou intermediários a manutenção e a melhoria da saúde, do condicionamento físico, da estética corporal ou performance em competições. 1 A prática desportiva ou do esporte, frequentemente associada com lazer, pode também ser a atividade principal da pessoa ou, até mesmo, caracterizar-se como profissional, quando significa a forma de sustento ou uma fonte importante de remuneração do indivíduo. Recentemente, foi proposta uma definição formal de atleta como sendo aquele indivíduo que atendesse, simultaneamente, os seguintes quatro critérios: (a) estar treinando esportes com o objetivo de melhorar seu desempenho ou resultados; (b) estar participando ativamente em competições desportivas; (c) ser formalmente federado em nível local, regional ou nacional; (d) ter o treinamento e a competição desportiva como sua atividade principal (forma de vida) ou foco de interesse pessoal, devotando várias horas em todos ou na maioria dos dias a essas atividades, excedendo o tempo alocado a outras atividades profissionais ou de lazer. 2 Aqueles que se exercitam regularmente e que, até mesmo, competem eventualmente, tais como os participantes de maratonas e de outros eventos desportivos de massa, devem ser chamados de praticantes de exercício (esportistas, “exercitantes”). 2 Portanto, embora primariamente direcionada para o atleta, muitos dos aspectos abordados nessa Atualização aplicam-se às pessoas que fazem exercício e também, eventualmente, àquelas que fazem apenas atividade física. A presente Atualização das Diretrizes de Cardiologia do Esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) abordará os seguintes temas: Avaliação Pré- Participação, doenças estruturais e não estruturais do coração, aspectos genéticos relacionados a estas patologias, valvopatias, particularidades relacionadas ao coração da mulher, além do suporte básico que deve ser prestado ao atleta em caso de necessidade. Alguns tópicos que fizeram parte da Diretriz publicada em 2013 3 serão contemplados em documentos futuros ou podem ser consultados em Diretrizes específicas. Por fim, que esse documento sirva como uma atualização de fato nesta área do conhecimento e que este possa ser aplicado na prática clínica. 2. Avalição Pré-Participação 2.1. Introdução A avaliação clínica pré-participação (APP) para atividades físico-esportivas deve ser entendida como uma avaliação 330

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