ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Relato de Caso Dissecção Aórtica Crônica e Gestação: Relato de Caso Clínico Chronic Aortic Dissection and Pregnancy: Clinical Case Report Giulia de Miranda Taglialegna, Leila Katz, Larissa Mayara Aristóteles de Albuquerque, Milena Máximo de Freitas, Alexandre Jorge Gomes de Lucena, Melania Maria Ramos de Amori m Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE – Brasil Correspondência: Giulia de Miranda Taglialegna • Avenida Santos Dumont, 387, apto 402. CEP 52050-050, Aflitos, Recife, PE – Brasil E-mail: giuliademiranda@hotmail.com Artigo recebido em 08/03/2018, revisado em 19/06/2018, aceito em 02/07/2018 Palavras-chave Doenças do Colágeno/complicações; Síndrome de Marfan; Síndrome Ehlers-Danlos; Coartação Aórtica; Gravidez; Período Pós Parto; Aneurisma Dissecante/cirurgia. DOI: 10.5935/abc.20190044 Introdução As complicações aórticas durante a gestação podem ocorrer emmulheres sem fatores de risco, porém, mais frequentemente, se associam com doenças do colágeno (Síndromes de Marfan e Ehlers-Danlos) e malformações estruturais cardíacas (coarctação e valva aórtica bivalvular). 1,2 Na mulher abaixo dos 40 anos, aproximadamente metade desses eventos ocorre na gravidez, particularmente no terceiro trimestre, ou puerpério. 3 É um evento extremamente raro, contabilizando 0,1% a 0,4% de todas as dissecções aórticas, acometendo 5,5 (IC 95% 4,0 - 7,8) mulheres a cada 1 milhão durante a gestação e puerpério. 1,4,5 Acredita-se que as alterações hemodinâmicas fisiológicas da gestação, modificações estruturais determinadas pela compressão do útero gravídico e a ação hormonal podem agravar essa patologia aórtica. 1,6 As classificações mais utilizadas tomam como base a porção anatômica acometida. O grupo de Stanford considera: tipo A (dissecção que envolve aorta ascendente) e tipo B (apenas aorta descendente). 7 De acordo com a duração dos sintomas até a apresentação clínica, a dissecção aórtica pode ser classificada como crônica se apresentar duas semanas ou mais após o início dos sintomas. 6 Apresentamos um caso de dissecção crônica da aorta, tipo B de Stanford, em paciente na 36° semana de gestação e discutiremos as peculiaridades do diagnóstico e conduta diante de complicações maternas e fetais potencialmente graves. Relato do Caso Gestante de 35 anos, parda, seis gestações prévias com cinco partos normais, no curso da 36° semana, solteira, procedente de Damião-PB, foi encaminhada de Campina Grande-PB para a unidade de terapia intensiva (UTI) do IMIP após realização de ultrassonografia (USG) obstétrica que evidenciou dilatação importante da aorta abdominal. Relatava história de dor abdominal de caráter lancinante sugestiva há aproximadamente um ano (três meses antes do diagnóstico da gestação). Chegou ao serviço assintomática, já em uso de alfametildopa 750 mg/dia, propranolol 40 mg/dia, furosemida 40 mg/dia e AAS 100 mg/dia. No exame apresentou-se consciente, eupneica, acianótica, afebril e normocorada, pressão arterial (PA) de 100x68 mmHg e a frequência cardíaca (FC) 84 batimentos por minuto (bpm). Ausculta respiratória sem alterações e ausculta cardíaca com ritmo regular, bulhas normofonéticas e sem sopros. Apresentava edema ++/++++ depressível em membros inferiores; abdome gravídico, altura de fundo uterino 27 cm (abaixo do percentil 2,5 para a idade gestacional), tônus fisiológico, movimentos fetais presentes, batimentos cardiofetais de 132bpm e ausência de visceromegalias. A tomografia computadorizada (TC) de tórax e abdome realizada no primeiro dia de internação identificou dissecção aórtica desde o arco aórtico até a aorta abdominal, ao nível da emergência das artérias renais (Figuras 1 e 2). Realizou USG obstétrica evidenciando feto único, vivo, peso estimado em 2.316 g, índice do líquido amniótico de 6 cm, doppler da artéria umbilical normal, idade gestacional de 35 semanas e 5 dias. Permaneceu assintomática até o terceiro dia de internação quando evoluiu com dor em baixo ventre e dinâmica uterina (três contrações em dez minutos), PA 160x100 mmHg durante as contrações, sendo indicada cesariana. O procedimento foi realizado sob raquianestesia, com equipes da cardiologia e cirurgia vascular de sobreaviso, sem intercorrências, sendo realizada também laqueadura tubária bilateral. Recém-nascido do sexo feminino, 2.475 g, APGAR 8/9. No puerpério foi inicialmente acompanhada em UTI obstétrica emanteve-se estável emuso de propranolol 40mg/dia e anlodipino 5 mg/dia, com adequado controle pressórico. Realizou ecocardiograma (2º DPO) que evidenciou fração de ejeção de 52%, dissecção da aorta com fluxo na falsa luz, além de insuficiências aórtica, mitral e tricúspide discretas; câmaras cardíacas com dimensões normais. No 5º DPO de cesariana, foi submetida a implante de endoprótese torácica sem intercorrências. No 3º DPO do implante, evoluiu com febre cuja origem não foi determinada, sendo administrados vancomicina, piperacilina e tazobactan por 7 dias, enoxaparina e prednisona. Recebeu alta hospitalar no 35º DPOde cesariana e 28º DPOde colocação de endoprótese aórtica, assintomática, em uso de propranolol 120mg/dia, anlodipino 10 mg/dia, losartana 100 mg/dia e digoxina 0,125 mg/dia com orientação de acompanhamento ambulatorial com a cardiologia. Discussão A dissecção aórtica durante a gestação é considerada uma catástrofe clínica potencialmente devastadora para mãe e concepto. 2 A mortalidade materna para a dissecção aguda tipo A e B de Stanford corresponde a 21% e 23%, com morte fetal de 10,3% e 35%, respectivamente. 2 As taxas elevadas estão 321

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