ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Ponto de Vista As Sociedades Médicas e as Universidades Públicas Medical Societies and Public Universities Charles Mad y Instituto do Coração – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP – Brasil Correspondência: Charles Mady • Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44. CEP 05403-000, São Paulo, SP – Brasil E-mail: charles.mady@incor.usp.br Artigo recebido em 14/08/2018, revisado em 05/09/2018, aceito em 05/09/2018 Palavras-chave Sociedades Médicas/tendências; Universidades/tendências; Educação Médica; Políticas Públicas de Saúde. DOI: 10.5935/abc.20180241 As sociedades médicas são instituições importantes e fortes em nosso país. Tomo como exemplo, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), da qual a maioria dos que estão lendo este texto faz parte. Nunca fiz política societária, mas a acompanho com interesse. Impressiona a determinação nas acirradas disputas entre concorrentes em época de eleição. Esses grupos, tendo sempre membros de corpos docentes de universidades, dispendem muita energia para se colocarem nas posições de comando. Assim é o jogo, que não raro migra para caminhos tortuosos. Portanto, os recursos humanos de sociedades e universidades têm muito em comum, tendo em vista que promovem atividades científicas e didáticas, educando profissionais por todo o país, tanto na modalidade presencial, como pelos meios de comunicação. A qualidade das informações recebidas é diretamente proporcional à das universidades e de seus membros. Por isso, as sociedades devem ter enorme interesse na evolução intelectual de nossas universidades. Sendo assim, perguntas se impõem: Há empreendimentos construtivos para a melhoria das universidades públicas por parte das sociedades? São essas energias, encerradas as eleições, utilizadas em seus benefícios? Se não são, quais seriam os projetos para haver uma maior interação entre esses dois universos? Esses projetos seriam úteis para atenuar a constante queda de qualidade das academias? As razões dessa queda são bem conhecidas e a falência financeira é, sem dúvida, causa primária dessa decadência. Há outras causas, talvez mais graves, para essa crise nas academias, cuja abordagem é dificultada por corporativismos poderosos. Estes estão tornando a educação e a saúde em um grande negócio; Seu poder tem enorme influência na ausência de vontade política para enfrentá-los. Poderíamos, como membros de uma sociedade, ter posições bem definidas e construtivas, tentando colaborar com as autoridades no encaminhamento de pretensas soluções? Como as sociedades se relacionam com o poder público? Há interesse nesse relacionamento? No universo universitário, essa situação gera profundo impacto sobre os recursos humanos, levando descrença e desesperança aos funcionários de todos os níveis, mesmo havendo entre eles profissionais altamente qualificados e produtivos, muitas vezes desvalorizados por não serem aceitos pelos membros dos atuais sistemas de poder. Essa desesperança é o sentimento mais destrutivo, o maior veneno para a produtividade de nossas instituições. A evasão de cérebros, tanto para o setor privado como para outros países, piora essa equação maligna. Não causa surpresa o pouco interesse que nossos jovens têm pela vida acadêmica. Complicando ainda mais, os planos de carreira são agredidos pelos corporativismos, fisiologismos e nepotismos. Fatos políticos importantes colaboram muito para afastar professores de elevado nível humano e profissional de nossos centros de ensino. É triste observar indivíduos que dedicaram décadas de suas vidas, com carreiras universitárias exemplares, serem preteridos, diminuindo muito sua dedicação ao ensino, pesquisa e extensão. Esse lado político é causa importante da decadência intelectual dos recursos humanos. Muitas carreiras brilhantes foram interrompidas por essa associação maligna de fatores. Temos, portanto, a receita perfeita para a decadência. Há solução ou soluções? Acredito que sim, com vontade política que gere mudanças no padrão cultural hoje vigente. Muitas opiniões deverão ser colocadas e confrontadas, em sérios e saudáveis diálogos. Vamos aos meus pensamentos: Pelo lado acadêmico, o professor deve e deverá se envolver, humana e profissionalmente, à sua instituição. É diferente ser ou estar professor. Deve e deverá ser a missão primordial em sua vida profissional. Deve preencher integralmente as necessidades de suas instituições, não criando, assim, conflitos de interesse. Oprofessor deve e deverá ser julgado periodicamente por seu mérito, que deveria ser o fator fundamental para se atingir o topo da carreira. Deveríamos ter mais titulares, que seriam imparcialmente escolhidos entre os docentes atuantes, institucionais, com perfis heterogêneos, assim diminuindo o risco da formação de oligarquias dominantes. Deve levar a universidade à sociedade civil, retirá-la de seu domo de cristal, e trazer a sociedade produtiva para a universidade, emassociações saudáveis para ambos. Como ideia, as sociedades médicas poderiam desempenhar papel importante nessa questão. Os professores devem se distanciar do pensamento utilitário. Deve ter em mente o equilíbrio entre realização pessoal e institucional. Infelizmente, predomina o conveniente pessoal, em detrimento do avanço da entidade. Essa forma de pensar se tornou cultural, com raízes profundas. Se minha instituição avança, eu avanço. Disse Cícero: “ Cada um deve, em todas as matérias, ter um só objetivo, qual seja, conformar o seu próprio interesse com o interesse geral ”. O genebrino Rousseau deu a mesma lição, assim como muitos outros pensadores. São ideias presentes com o ser humano há muito tempo. As sociedades médicas seriam beneficiadas. Haveria aumento nos índices de qualidade 317

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