ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Editorial Scanavacca Estimulação ventricular programada no manejo de pacientes com SRr Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):217-219 Em alguns casos, foi possível relacionar essas características elétricas com alterações anatômicas persistentes, 12 mas na sua maioria, as alterações eletrofisiológicas são transitórias, moduladas ou induzidas por condições hormonais, autonômicas, metabólicas e medicamentosas. 6 Isso poderia explicar por que indivíduos com SBr tipo 1 espontâneo e persistente apresentam maior risco de eventos em comparação com aqueles em que o padrão de SBr ocorre ocasionalmente. 5 A justificativa seria que nos primeiros, o substrato arritmogênico mais extenso e estável, perceptível até pelo ECG, seria mais propenso a sustentar TVS e FV frente a modulações externas; na segunda condição, o substrato seria muito discreto, com menor probabilidade de sustentação de arritmias malignas que ocorreriam apenas em condições muito especiais. Nessa condição, a presença do substrato poderia ser identificada apenas pela análise dos eletrogramas obtidos diretamente na superfície epicárdica ou com infusão de potentes bloqueadores dos canais de sódio. Corroborando essa hipótese, estudos recentes de ablação com radiofrequência (RF) do substrato subepicárdico da SBr indicam que indução de TVS ou FV é frequente nos pacientes com padrão tipo 1 espontâneo, com perda da indução dessas arritmias após a ablação do substrato arritmogênico, com desaparecimento do padrão típico. 11,13 A extensão do substrato da SBr no momento do EEF poderia então explicar as diferenças nos resultados encontrados nos diversos estudos clínicos e motivo da controvérsia atual. 14 Assim, pacientes com SBr recuperados de parada cardíaca ou com padrão tipo 1 persistente no ECG teriam maior taxa de indução de arritmias ventriculares quando comparados com aqueles sem manifestação no ECG no momento do EEF. Entretanto, não há, até o momento, informações claras de qual era a apresentação do ECG no momento de realização do EEF para tal análise. 15 O estudo inicial que deu origem à utilização da estimulação ventricular programada na seleção de pacientes assintomáticos com SBr para implante de CDI envolveu 252 pacientes; desses, 116 já haviam apresentado sincope ou tinham sido recuperados de parada cardíaca e 136 eram assintomáticos no momento do diagnóstico. Taquicardia ventricular polimórfica ou FV foram induzidas em 130 (51%) pacientes. A indução de arritmias ventriculares foi mais frequente (73%) nos pacientes sintomáticos do que nos assintomáticos (33%) (p = 0.0001). Evento arrítmico espontâneo ocorreu em 52 indivíduos (21%) em seguimento médio de 34 +/- 40 meses; 45 (39%) dos 116 sintomáticos e 7 (5%) dos 136 pacientes assintomáticos. Por outro lado, apenas 1 paciente em 91 (1,1%) do grupo assintomático apresentou evento arrítmico espontâneo quando a estimulação ventricular foi negativa. 15 Esses dados foram corroborados por um segundo estudo do mesmo grupo com seguimento dos pacientes por um período de até 20 anos. A indução de TVS/VF no EEF apresentou sensibilidade de 75,0%, especificidade de 91,3% para ocorrência espontânea de arritmias malignas nos pacientes assintomáticos. Embora o valor preditivo positivo tenha sido baixo (18,2%), o valor preditivo negativo foi de 98,3%. 16 Estudos clínicos realizados por outros investigadores não reproduziram esses achados, levando a um debate que se mantém nos dias atuais. O PRELUDE foi um registro prospectivo e multicêntrico, que incluiu 273 pacientes assintomáticos. Durante o seguimento clínico, com mediana de 34 meses, não houve diferença significativa nas taxas de eventos entre pacientes com arritmias ventriculares induzidas ou não no EEF. 17 No registro FINGER de pacientes com SBr, que envolveu 654 pacientes assintomáticos, seguidos por 31,9 (14 a 54,4) meses, houve baixa taxa de eventos (0,5%). Embora essa taxa tenha sido mais alta naqueles com arritmia ventricular induzida no EEF, não houve significância estatística na análise multivariada. 18 Na metanálise elaborada por Kusumoto et al., 2 organizada pela AHA/ACC/HRS, foram selecionados seis estudos envolvendo pacientes com SBr a partir de 236 títulos identificados nas bases de dados tradicionais. Para minimizar a sobreposição de pacientes, a análise primária incluiu os pacientes de cinco dos seis estudos selecionados, excluindo‑se um estudo da mesma instituição. Dos 1138 pacientes incluídos, TVS ou FV sustentada foram induzidas em 390 (34,3%), com ocorrência de eventos arrítmicos maiores (TVS e FV, MS cardíaca ou terapia com CDI) em 13 (3,3%), em comparação à ocorrência de 12 eventos (1,6%) nos 748 pacientes sem indução de arritmias, resultando em uma razão de chance (OR) de 2,3 (95% CI: 0,63-8,66; p = 0,2). Em uma segunda análise foram incluídos todos os seis estudos, com possível duplicação dados. Dos 1401 pacientes, 481 (34,3%) tiveram TV ou FV sustentadas induzidas no EEF. Nos pacientes com TVS/FV induzidas ocorreram 24 eventos arrítmicos (5,0%) e entre os pacientes sem indução ocorreram 14 eventos (1,5%), resultando em um OR de 3,3 (95% CI: 1,03–10,4; p = 0,04). Frente a essas informações, a diretriz da AHA/ACC/HRS 2017 emitiu a recomendação 2B com nível de evidência B para a indicação do EEF em pacientes assintomáticos com SBr, sugerindo que a estimulação ventricular, quando realizada, deva ser feita de modo menos agressivo (até dois extra-estímulos). 2 Em resumo, os dados atuais ainda não esclarecem o real papel preditivo da indução de TV/FV em pacientes assintomáticos com SBr, provavelmente pela falta de homogeneidade das amostras e metodologias utilizadas nas investigações. Os dados apontam para a necessidade de trabalhos prospectivos, multicêntricos, envolvendo um número mais expressivos de pacientes. 218

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