ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Artigo de Revisão Detecção Precoce e Monitoramento da Disfunção Ventricular Esquerda Secundária à Quimioterapia do Câncer pelos Métodos de Imagem Early Detection and Monitoring of Cancer Chemotherapy-Related Left Ventricular Dysfunction by Imaging Methods Mario Luiz Ribeir o, Antonio José Lagoeiro Jorge , Marcelo Souto Naci f, Wolney de Andrade Martin s Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ – Brasil Palavras-chave Neoplasias/mortalidade; Antineoplásicos/efeitos adversos; Disfunção Ventricular Esquerda/diagnóstico por imagem; Cardiotoxicidade; Antraciclinas/efeitos adversos; Trastuzumab/ efeitos da radiação. Correspondência: Antonio José Lagoeiro Jorge • Avenida Marquês do Paraná, 303. CEP 24033-900, Centro, Niterói, RJ – Brasil Email: lagoeiro@cardiol.br , lagoeiro@globo.com Artigo recebido em 05/03/2018, revisado em 21/11/2018, aceito em 05/12/2018 DOI: 10.5935/abc.20190022 Introdução O câncer (CA) tornou-se a segunda causa de mortalidade no Brasil a partir de 2006 e há previsão de que ultrapasse as doenças cardiovasculares (DCV), atualmente consideradas a causa principal, entre 2020 e 2025. 1 As DCV e o CA partilham fatores de risco em comum tais como a obesidade, o sedentarismo, a hipertensão arterial, o tabagismo, o diabetes mellitus, a faixa etária elevada e o padrão alimentar. Portanto, a coprevalência de CA e DCV é elevada. O diagnóstico e a prevenção de ambas as doenças devem ser realizados de forma integrada. 2 O tratamento oncológico com a quimioterapia (QT) combinada trouxe aumento da sobrevida, porém também levou ao risco de cardiotoxicidade (CTX); à incidência de disfunção ventricular assintomática; ou até mesmo de miocardiopatia. 3 O diagnóstico precoce da CTX é importante, posto que quanto mais precoce for o diagnóstico do acometimento miocárdico, maior é a chance de recuperação da função sistólica. 4 A monitorização da função ventricular esquerda (VE) durante o tratamento do CA objetiva detectar a disfunção cardíaca em uma fase subclínica, e não quando já houver fração de ejeção reduzida em paciente sintomático. Os grupos de quimioterápicos que mais frequentemente causam agressão ao miocárdio são as antraciclinas (ANT), largamente usadas no tratamento dos tumores sólidos e doenças malignas hematológicas, e os anticorpos monoclonais, cujo exemplo típico é o trastuzumabe (TZU). 5,6 A CTX das ANT foi inicialmente descrita como dose-cumulativa, irreversível e por lesão mitocondrial. Em contraste àquela relacionada ao TZU que não é dose-dependente, é reversível e não causa lesão mitocondrial, entretanto em ambas as agressões relatou-se a possibilidade do remodelamento reverso e da recuperação da função ventricular. Séries de casos de pacientes sob uso de ANT referiram incidência entre 15% e 17%de algum grau de redução da fração de ejeção do VE (FEVE) pelo método de Simpson e 2% a 3% de insuficiência cardíaca (IC) grave, 7 entretanto séries mais recentes relatam incidência menor. Há diferentes definições arbitradas para o diagnóstico de disfunção ventricular relacionada à terapêutica do CA, extrapoladas de situações clínicas diversas e com escassa validação específica. Atualmente, uma das mais usadas é a redução da FEVE em valores superiores a 10% do valor basal para valores abaixo do corte de 53%, com ou sem sintomas, repetindo-se o exame duas a três semanas após a aferição inicial. 8 Para Zamorano et al. 9 este limite inferior de normalidade da FEVE é de 50%, também com uma redução de 10%. Outras definições quantificam em queda da FEVE maior que 10% para FEVE abaixo de 55%, em pacientes assintomáticos, ou queda maior que 5% para FEVE menor que 55% em sintomáticos. 10 Inicialmente, a biópsia endomiocárdica foi utilizada como padrão-ouro de cardiotoxicidade, mas seu caráter invasivo e o risco de complicações fizeram com que fosse progressivamente substituída pelos métodos de imagem. Várias técnicas foram propostas como ferramentas para o diagnóstico e o prognóstico da CTX associada à QT, com destaque para os biomarcadores séricos, o ecocardiograma convencional, o strain bidimensional, a ventriculografia radionuclídica (VRN) e a ressonância magnética cardíaca (RMC). O objetivo da presente revisão é trazer ao clínico as principais vantagens e desvantagens dos diversos métodos de imagem, com respeito à análise crítica, acurácia, limitações e perspectivas clínicas, no diagnóstico e monitoramento da disfunção ventricular esquerda por quimioterápicos. Métodos Esta revisão seguiu adaptações dos princípios da metodologia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‑Analyses (PRISMA) . A pesquisa de artigos incluiu as bases de dados MEDLINE, ScIELO e LILACS. Os descritores utilizados foram “Cardiotoxicidade”; “Disfunção Ventricular Esquerda”; “Antineoplásicos”; “Antraciclinas”; “Técnicas e Procedimentos Diagnósticos”; “Ecocardiografia”; “Ecocardiografia Doppler”; “Ecocardiografia Bidimensional/ Tridimensional/de contraste”; “Cintilografia”; “Medicina nuclear”; “Tomografia computadorizada”; “Ressonância magnética”. Também foram consultadas as listas de referências dos artigos encontrados na busca eletrônica e, assim, foram identificados artigos relevantes. Objetivou-se responder qual é o método de imagemmais apropriado para a detecção precoce de disfunção ventricular em pacientes submetidos à QT do CA dentro do contexto da prática clínica. Todos os resumos foram analisados de forma independente por dois pesquisadores. Foram considerados nesta revisão os artigos originais do tipo ensaio clínico, coorte, caso-controle, meta‑análises e artigos de revisão que dispusessem consenso de especialistas, publicados 309

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