ABC | Volume 112, Nº3, Março 2019

Editorial Estimulação Ventricular Programada no Manejo de Pacientes com Síndrome de Brugada Programmed Ventricular Stimulation in the Management of Brugada Syndrome Patients Mauricio Ibrahim Scanavacc a e Denise Tessariol Hachul Instituto do Coração (Incor), São Paulo, SP – Brasil Correspondência: Mauricio Ibrahim Scanavacca • Av. Joaquim C. A. Marques, 1205. CEP 05688-021, Morumbi, SP – Brasil E-mail: mibrahim@cardiol.br , mauricio.scanavacca@gmail.com Palavras-chave Síndrome de Brugada; Taquicardia Ventricular; Fibrilação Ventricular; Morte Súbita/prevenção & controle; Fatores de Risco; Desfibriladores Implantáveis/utilização. DOI: 10.5935/abc.20190047 Desde 1980, as sociedades médicas americanas American College of Cardiology (ACC) e American Heart Association (AHA) vem incorporando e adaptando, por meio de métodos sistemáticos, evidências científicas em recomendações práticas para aprimorar condutas na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares. Essas diretrizes se tornaram a base atual das condutas em cardiologia e utilizadas por muitas sociedades, que as adaptam de acordo com suas realidades regionais. 1 Em 2006, as AHA/ACC, em conjunto com a Heart Rhythm Society (HRS), publicaram a primeira diretriz para o manejo de pacientes com arritmias ventriculares e para prevenção da morte súbita (MS). Em 2017, as mesmas sociedades se reuniram para atualizar o documento inicial, publicado em outubro de 2018. 2,3 Apesar dos inúmeros avanços no conhecimento para estratificação do risco, prevenção e tratamento das patologias que levama a MS, muitas lacunas em seu entendimento ainda permanecem. Dentre as várias questões levantadas pelo grupo de estudo da última revisão, duas foram tratadas por um comitê independente e publicadas recentemente em um documento adicional. 4 Uma das questões revisadas e motivo desse editorial refere‑se ao papel do estudo eletrofisiológico (EEF) na estratificação de risco de pacientes assintomáticos com síndrome de Brugada (SBr). A SBr foi descrita em 1992 em indivíduos com o coração estruturalmente normal que foram recuperados de parada cardíaca por fibrilação ventricular e que apresentavam aspectos eletrocardiográficos singulares, caracterizados por distúrbio de condução pelo ramo direito e elevação persistente do segmento ST nas derivações V1 – V3. 5 Ao longo dos últimos 25 anos, inúmeros estudos clínicos revelaram que a SBr é uma doença geneticamente determinada, que ocorre em 1 entre 2.000 a 10.000 indivíduos com coração aparentemente normal. O risco de MS é reconhecidamente alto nos pacientes que já apresentaram síncope arrítmica ou foram recuperados de parada cardíaca. Existe consenso de que o implante do cardioversor e desfibrilador automático (ICD) é o método mais efetivo para evitar a MS nesses pacientes. 6 Por outro lado, o risco de MS é aparentemente baixo nos indivíduos com SBr assintomáticos, o que torna difícil, na prática clínica, a tomada de decisão de indicação do implante do CDI nesses indivíduos. Além disso, a maioria desses pacientes são jovens e em risco de recebem choques inapropriados, terem problemas técnicos com os geradores e eletrodos ao longo dos anos. 7 Vários aspectos clínicos, familiares, eletrofisiológicos e genéticos têm sido estudados tentando determinar o risco de MS nos indivíduos assintomáticos com SBr e que poderiam se beneficiar com o implante precoce do CDI. No entanto, a capacidade discriminatória desses métodos permanece controversa. 6,8 A indução de taquicardia ventricular sustentada (TVS) pela estimulação ventricular programada (EP) tem sido utilizada por vários anos para identificar os pacientes em risco de ocorrência espontânea de TVS/fibrilação ventricular (FV) em pacientes com cardiopatias estruturais, nos quais haveria justificativa para o implante profilático do CDI. 2,3 Essa conduta baseou-se na eficácia do método em reproduzir TVS clínicas no ambiente do laboratório de eletrofisiologia. 9 Observações clínicas revelaram que a capacidade EP em reproduzir arritmias ventriculares, em particular a TVS, é muito alta na fase crônica do infarto do miocárdio, menor nas cardiopatias não isquêmicas, e praticamente nula nas canalopatias. 2,3,9 Esse comportamento distinto deve-se às características do substrato arritmogênico das arritmias ventriculares sustentadas, que nas cardiopatias estruturais depende de reentradas em substratos anatômicos estáveis, na maioria representados por cicatrizes provocadas pelas doenças. Condições que provoquem cicatrizes miocárdicas densas, entremeadas por canais de tecido miocárdico viável, favorecem a ocorrência de TVS reprodutíveis; ao contrário, a EP apresenta baixa reprodutibilidade nas condições em que essas características não estão presentes. 9 Assim, a sugestão inicial do uso da EP para estratificação de risco de MS em indivíduos com SBr causou surpresa aos eletrofisiologistas tradicionais, 10 uma vez que a síndrome era considerada até então uma canalopatia que não apresentava substrato anatômico nas avaliações pela ressonância nuclear magnética com gadolíneo e realce tardio. Estudos posteriores, revelaram que os pacientes com SBr apresentam substrato arritmogênico caracterizado, no mapeamento eletrofisiológico invasivo, por potenciais elétricos tardios, identificados predominantemente nas fibras miocárdicas subepicárdicas da via de saída do ventrículo direito. 11 217

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