ABC | Volume 112, Nº2, Fevereiro 2019

Artigo Original d’Almeida et al Ponto de corte para o questionário de restrição de sódio na dieta Arq Bras Cardiol. 2019; 112(2):165-170 A causalidade multifatorial e a subjetividade relacionadas à adesão podem explicar a dificuldade encontrada por profissionais de saúde em medir o comprometimento dos pacientes a um comportamento particular. Nesse contexto, instrumentos que possam fornecer informações mais confiáveis sobre os desfechos dos pacientes em termos de conhecimento, barreiras, e atitudes, com pontos de corte para (adequada e baixa) adesão poderiam ajudar a identificar fatores que potencialmente influenciariam esse desfecho. 23 Segundo os pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento do QRSD, o questionário foi construído com o objetivo de ser uma ferramenta autoaplicável. Contudo, considerando diferenças culturais, é recomendável que, na população brasileira, o QRSD seja administrado por meio de entrevistas, por investigadores treinados. Além disso, uma vez que cada subescala se relaciona a um construto, procuramos identificar diferentes pontos de corte para cada uma delas. Os escores elevados observados na subescala de atitudes e norma subjetiva contribuíram para aumentar o ponto de corte (≥ 40, um total de 45 pontos), indicando que os pacientes sabem da importância de aderirem à restrição de sódio, e são capazes de identificar sinais e sintomas associados à ingestão excessiva, assim como os benefícios relacionados à redução da ingestão. Contudo, conforme descrito na literatura, 7,24,25 somente conhecimento não é suficiente para assegurar adesão, para a qual exigem-se outras habilidades, tais como motivação e força de vontade. 21 De fato, incorporar essa prática à rotina ainda é um desafio importante para os pacientes. Na mesma subescala, as três últimas questões que denotam aderência são influenciadas pela opinião de pessoas consideradas importantes pelos pacientes (cônjuges, familiares, médicos e outros profissionais). A inclusão de familiares no tratamento dos pacientes com IC parece ser crucial e está ganhando mais espaço como uma estratégia de autocuidado, com resultados positivos na redução da ingestão de sódio por esses pacientes. 21,22 Em relação ao escores e os pontos de corte identificados para a escala controle comportamental percebido (≤ 8, total de 20 pontos), as principais barreiras, tanto para os pacientes compensados como os pacientes descompensados, foram a palatabilidade dos alimentos com pouca adição de sal, preferências alimentares dos pacientes e, de maneira menos significativa, a força de vontade de mudar suas dietas, fatores já descritos anteriormente. A palatabilidade dos alimentos com baixo teor de sódio foi descrita como uma das principais barreiras para adesão. 26,27 Ainda, quando comparados a indivíduos sadios, os pacientes com IC têm preferência por alimentos ricos em sódio. 28 Tal fato pode ser explicado pelas mudanças no sistema renina-angiotensina-aldosterona, que promove um maior desejo por sal. 29 Os baixos escores observados na subescala comportamento dependente influenciaram a definição de um baixo ponto de corte (≤ 3, total de 15 pontos). Em um estudo conduzido com uma amostra de 225 pacientes com IC descompensada, 12 situações que envolvem tomadas de decisões fora de casa – restaurantes e supermercado – não influenciaram significativamente a adesão nessa população, possivelmente devido a limitações impostas pela gravidade da doença. Ainda, a ida ao supermercado e a escolha de alimentos são frequentemente realizadas por um membro da família ou cuidador, o que pode explicar o baixo impacto causado por esse fator. 6 Na análise comparativa dos pacientes por classe funcional para determinar o ponto de corte para adesão satisfatória, observou-se que a sensibilidade e a especificidade foram mais baixas que aquelas obtidas na comparação entre pacientes compensados e descompensados. Assim, nossos achados indicam que a adesão foi maior nos pacientes tratados ambulatorialmente em comparação aos pacientes hospitalizados por IC descompensada. Limitações Outros fatores além da restrição de sódio podem afetar a IC descompensada, o que podem levar a um pequeno viés na determinação do ponto de corte. Apesar de ter sido um estudo caso-controle, o pareamento não foi suficiente para minimizar discrepâncias entre os dois grupos (compensados e descompensados). Outros estudos com o mesmo delineamento podem contribuir para elucidar os achados deste estudo. Outra limitação refere-se à inexistência de estudos nacionais e internacionais sobre pontos de corte específicos para avaliação de adesão usando o QRSD, o que impossibilita a comparação entre estudos. Conclusões A avaliação do conhecimento, barreiras, e atitudes em relação à restrição de sódio na dieta em pacientes com IC em dois diferentes cenários – pacientes atendidos no ambulatório e na emergência – permitiu a determinação de pontos de corte para adesão satisfatória à restrição dietética de sódio. Países de culturas similares poderiam utilizar esse mesmo ponto de corte, bem como outros pesquisadores poderiam utilizá-lo como referência em outros estudos. Sugerimos a adoção desse ponto de corte para identificar facilitadores e barreiras relacionados à redução de sódio na dieta em pacientes com IC no Brasil, e para orientar estratégias em busca de melhores resultados. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa, análise e interpretação dos dados, obtenção de financiamento e revisão crítica domanuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: d’Almeida KSM, Barilli SLS, Souza GC, Silva ERR; obtenção de dados, análise estatística e redação do manuscrito: d’Almeida KSM, Barilli SLS. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo foi financiado pelo Fundo de incentivo à pesquisa e eventos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 169

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