ABC | Volume 112, Nº1, Janeiro 2019

Artigo Original Barros et al Alteração contrátil regional e cardiotoxicidade Arq Bras Cardiol. 2019; 112(1):50-56 Introdução A introdução de novos agentes quimioterápicos e o uso de técnicas avançadas e precisas de radioterapia nas últimas décadas melhoraram a sobrevida do câncer de mama. 1 Os medicamentos quimioterápicos da classe das antraciclinas e os anticorpos monoclonais humanizados, como o trastuzumab, são amplamente utilizados e agentes eficazes para o tratamento do câncer de mama. 2 Infelizmente, as antraciclinas podem induzir efeitos cardiotóxicos, e a gravidade desses efeitos adversos é agravada pelo uso concomitante de trastuzumab. 3 A quimioterapia pode trazer várias complicações cardiovasculares, incluindo hipertensão, insuficiência cardíaca congestiva, doenças tromboembólicas, cardiopatia isquêmica, prolongamento do intervalo QT e bradicardia. 3 Quando usadas em conjunto, as antraciclinas e trastuzumab podem causar insuficiência cardíaca em até 27% dos pacientes. 4 Entre os sobreviventes de câncer, um terço morrerá de doença cardiovascular, tornando-se importante a necessidade de cuidados cardíacos na população com câncer. A detecção precoce da disfunção cardíaca pode permitir a implementação de estratégias cardioprotetoras antes que o dano miocárdico, potencialmente irreversível, tenha ocorrido. 5 A definição de disfunção cardíaca relacionada à terapia do câncer (DCRTA) é baseada em um declínio em série na fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE). A ecocardiografia bidimensional (2DE) é cada vez mais usada para monitorar a função cardíaca durante o tratamento do câncer devido à sua ampla disponibilidade e acurácia. A ecocardiografia permite avaliar a função sistólica e diastólica, as pressões pulmonares, a função valvular, a função ventricular direita e o pericárdio. 6 A redução na FEVE provavelmente ocorre tardiamente na história natural dos pacientes com DCRTA, já que a redução da FEVE pode não ser evidente até que uma quantidade substancial de reserva miocárdica esteja esgotada. Portanto são necessárias modalidades mais sensíveis para a avaliação da disfunção subclínica do VE. Apesar do reconhecimento de vários parâmetros ecocardiográficos associados à DCRTA, incluindo avaliação da mecânica miocárdica derivados da ecocardiografia, como strain e strain rate , atualmente não há consenso na prática médica para prever quais pacientes estão propensos a desenvolver cardiotoxicidade. 6-8 Estudos anteriores demonstraram a presença de disfunção miocárdica regional em pacientes com DCRTA, 9-11 no entanto, seu papel como preditor de risco não foi estabelecido. O objetivo deste estudo é verificar a associação entre a ocorrência da alteração contrátil segmentar ventricular esquerda e o desenvolvimento de cardiotoxicidade em pacientes com câncer de mama em tratamento com quimioterapia. Métodos População do estudo Este estudo é parte de um estudo de coorte prospectivo de pacientes com câncer de mama recrutados no Hospital Mater Dei em Belo Horizonte - MG de janeiro de 2010 a dezembro de 2016. Os critérios de inclusão foram: idade acima de 18 anos, diagnóstico de câncer de mama histologicamente confirmado, tratamento com doxorrubicina e/ou trastuzumab, e que realizaramecocardiograma, de acordo com as normas do protocolo hospitalar. Os critérios de exclusão foram pacientes com diagnóstico prévio de disfunção ventricular, incluindo anormalidade contrátil regional, valvopatia significativa, cardiopatia congênita, arritmias, doença arterial coronariana crônica e bloqueio de ramo esquerdo por eletrocardiografia. Os esquemas de tratamento ficaram a critério do oncologista e consistiram no uso dos seguintes medicamentos isoladamente ou em combinação: 1) doxorrubicina e ciclofosfamida; 2) paclitaxel; 3) trastuzumab. As dosagens dos medicamentos foram prescritas de acordo com as diretrizes. 12 Foram avaliados diversos parâmetros clínicos (por exemplo: hipertensão, dislipidemia, diabetes), laboratoriais (por exemplo: sódio, potássio, cálcio, magnésio, hemoglobina, creatinina e BNP) e ecocardiográficos antes, durante e após o término do tratamento coletados em intervalos de tempo padronizados para cada regime de tratamento. Ecocardiografia Todos os pacientes fizeramumecocardiograma transtorácico, incluindo avaliação strain longitudinal com ecocardiograma bidimensional de rastreamento do speckle‑tracking (2D STE). Os estudos e análises ecocardiográficas foram realizados por um Ecocardiografista experiente (M.V.L.B.). Os seguintes parâmetros ecocardiográficos foram avaliados: diâmetros sistólico final e diastólico final do VE e diâmetro atrial esquerdo. A FEVE foi avaliada pelo método de Simpson. A avaliação visual da função miocárdica regional foi avaliada com base no espessamento parietal e no movimento endocárdico do segmento miocárdico, como descrito previamente. 13 Omovimento septal anormal foi caracterizado como ummovimento atípico do septo interventricular durante o ciclo cardíaco com uma abordagem do modo M guiada pela ecocardiografia bidimensional. A função diastólica foi avaliada e classificada por meio de critérios previamente publicados. 14 A disfunção diastólica do VE foi estratificada em quatro graus como: 0-normal, 1-relaxamento alterado, 2-padrão pseudonormal e 3-restritivo. A deformação longitudinal pelo 2D STE foi obtida a partir de cortes apicais de quatro câmaras, duas câmaras e eixo longo. Três ciclos cardíacos de cada visualização foram registrados para análises com uma taxa de frame rate > 50 frames/seg. A deformação longitudinal máxima negativa foi avaliada em 16 segmentos do VE, definidos como o valor máximo de pico durante todo o ciclo cardíaco, portanto incluindo o encurtamento pós-sistólico, e foi calculada a média da strain longitudinal global (SLG). DCRTA foi definida como uma diminuição na FEVE > 10 pontos percentuais, para um valor < 53% em exames de imagem cardíaca repetidos durante o acompanhamento após a quimioterapia. 15 Os estudos ecocardiográficos foram realizados em intervalos padronizados de acordo com o tratamento. 1) os pacientes tratados com antraciclinas sem trastuzumab foram submetidos a um estudo ecocardiográfico no início, no final e a cada seis meses após o término da quimioterapia. 2) os doentes tratados com antraciclinas e trastuzumab foram submetidos a um estudo ecocardiográfico no início e após a conclusão de tratamento 51

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