ABC | Volume 112, Nº1, Janeiro 2019

Artigo Original Dotta et al Dispersão regional QT como preditor de reperfusão Arq Bras Cardiol. 2019; 112(1):20-29 Introdução A despeito dos avanços no tratamento, altas taxas de infarto agudo do miocárdio (IAM) ainda são observadas. Desta forma, a reperfusão da “coronária culpada” tornou-se o objetivo principal da terapia nos infartos do miocárdio com elevação do segmento-ST (IAMCST), sendo a reperfusão precoce com a manutenção da permeabilidade arterial, responsáveis pela redução da mortalidade na fase aguda, bem como em médio e longo prazo. 1,2 Entretanto, quando o fluxo arterial é reestabelecido, o miocárdio permanece “atordoado” devido ao processo de injúria-reperfusão. 3,4 A intervenção coronária percutânea (ICP) primária é considerada padrão-ouro no tratamento do IAMCST. 5 Todavia, quando a ICP não está disponível ou não pode ser oferecida em tempo hábil, a estratégia fármaco-invasiva (EFI) é alternativa de reperfusão, constituída por fibrinólise intravenosa em centros de cuidados primários ou pré-hospitalar, seguida de angiografia e ICP, quando apropriada. 6-8 Os critérios clássicos de reperfusão incluem a redução da intensidade ou alívio dos sintomas isquêmicos e a redução da elevação do segmento-ST (maior que 50% na derivação com maior elevação), avaliada em 60 a 90 minutos após a fibrinólise. 9,10 Existemalguns aspectos controversos sobre o comportamento do intervalo QT corrigido pela frequência cardíaca (QTc) após o IAMCST. Alguns estudos relataram aumento desta variável na fase aguda e subsequente diminuição pós-reperfusão, e em outros, um aumento do QTc esteve associado à não reperfusão. 11,12 A dispersão do intervalo QTc (dQTc) esteve reduzida em pacientes com IAM após terapia fibrinolítica bem sucedida e aumentada naqueles com artéria não reperfundida. A redução da dQTc pós-fibrinólise foi preditiva de reperfusão coronária. 13 Há evidências de que a recanalização após um evento agudo esteja associada à diminuição da dQTc, como observado nos estudos TEAM-2 e TEAM-3. 14,15 Ao nosso conhecimento, não houve nenhum estudo de dQTc após EFI associado à perfusão angiográfica [fluxos TIMI e Blush) pós‑trombólise com tenecteplase (TNKase). Desta forma, nosso estudo teve como objetivo avaliar o comportamento da dQTc como marcador precoce de reperfusão pós-terapia trombolítica, em adição aos critérios clássicos, em eletrocardiogramas (ECG) pré e 60 min pós- trombólise conforme EFI. Métodos Estudo observacional, comdados coletados prospectivamente. O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética local e todos os pacientes ou seus representantes legais assinaram termo de consentimento informado. Casuística Foram selecionados pacientes com IAMCST atendidos em unidades de pronto-atendimento no município de São Paulo, submetidos a trombólise com TNKase, referenciados a hospital terciário para estudo angiográfico e que apresentaram ou não critério eletrocardiográfico de reperfusão (redução > 50% do supra-desnivelamento do segmento-ST). Foram incluídos apenas pacientes atendidos com diagnóstico de primeiro infarto e elegíveis para tratamento trombolítico em EFI, e de forma consecutiva. Iniciamos com 110 pacientes, mas seis foram excluídos por razões eletrocardiográficas. Os critérios de exclusão foram as contra-indicações formais para fibrinólise ou condições eletrocardiográficas que pudessem afetar as medidas do intervalo QT, como bloqueio de ramo, fibrilação atrial ou infarto prévio do miocárdio. Neste estudo foram incluídos, portanto, 104 pacientes de ambos os sexos, com primeiro IAM e tratados com TNKase em centros de cuidados primários de saúde nas primeiras 6h de início de sintomas e referenciados posteriomente à hospital terciário para realização da coronariografia em 2-24 horas após fibrinólise, ou imediatamente se a terapia de resgate fosse necessária. O funcionamento da rede IAMCST de São Paulo foi publicada previamente. 7,8 Características clínicas e demográficas da população estudada foram obtidas. Um ecocardiografista experiente e que desconhecia os dados clínicos prévios aferiu a fração de ejeção ventricular no quinto dia pós-IAMde todos os pacientes. Análise eletrocardiográfica A análise eletrocardiográfica consistiu de ECGs pré e 60 minutos pós-fibrinólise, em dispositivos certificados e calibrados, com o paciente em posição supina. Dois observadores independentes e que desconheciam as características clínicas dos pacientes interpretaram os ECGs. O critério de reperfusão eletrocardiográfico foi definido pela redução do segmento-ST maior que 50% na derivação com maior elevação do segmento, enquanto que a falha na reperfusão foi definida como redução do segmento-ST inferior a 50% pós 60 minutos da fibrinólise. O intervalo QT foi medido manualmente usando-se paquímetro digital em um sistema linear sem contato e com resolução de 0,1 mm / 0,01"; precisão de ± 0,2 mm / 0,001" (< 100 mm) e ± 0,03 mm / 0,01"(> 100 - 200 mm) e com índice de repetibilidade de 0,1 mm / 0,01". Os valores obtidos do intervalo QT foram convertidos em milissegundos (ms) e corrigidos para a frequência cardíaca (QTc) pelo método linear de Hodges utilizando a fórmula: [QTc = QT + 1,75 (RR - 60)]. Com o propósito de minimizar a variabilidade intra‑observador, o valor do intervalo QT foi calculado pela média de três mensurações em complexos QRS consecutivos e em todas as derivações do ECG. Para minimizar a variabilidade inter‑observadores, calculou-se o coeficiente de reprodutibilidade de Kappa. O método da tangente foi usado para medir o QT, onde o final da onda T foi definido pelo ponto de interseção da linha tangente, desenhado no ponto de maior inclinação da porção final da onda T com a linha de base. 16 Na presença de onda U, a tangente foi desenhada pelo ponto de contato entre as ondas T e ondas U. Outro aspecto importante foi a exclusão na análise das derivações do ECG onde havia imprecisão em determinar algumas variáveis, notadamente a identificação adequada do intervalo QT. A dispersão do intervalo QT foi definida como a diferença entre o QT máximo (QT máx ) e o QT mínimo (QT mín ) no ECG de 12 derivações. A dispersão regionalizada do intervalo QT (dQTcR) foi calculada como a diferença entre QT máx e QT mín somente nas derivações com elevação do segmento‑ST. 21

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