ABC | Volume 112, Nº1, Janeiro 2019

Elias Neto et al C/DAVD – Diagnóstico e tratamento Arq Bras Cardiol. 2019; 112(1):91-103 Artigo de Revisão • Fase oculta : trata-se da fase subclínica, na qual o paciente se mantém assintomático e com discretas anormalidades estruturais no VD ou com ausência delas. Nessa fase, a MSC pode ser a primeira manifestação da doença. • Fase arrítmica : o paciente apresenta palpitações, síncope e, geralmente, arritmias ventriculares sintomáticas de origem no VD, desencadeadas por esforço fisico. As arritmias podem variar desde ectopias ventriculares isoladas, (taquicardia ventricular não sustentada) (TVNS) com morfologia tipo bloqueio do ramo esquerdo (BRE), até chegar a episódios de MSC por fibrilação ventricular. • Falência ventricular direita : a progressiva substituição do tecido miocárdico por tecido fibrogorduroso leva a um comprometimento progressivo da função do VD, podendo resultar em insuficiência cardíaca. • Falência biventricular : em um estágio avançado da doença, ocorre o envolvimento do septo interventricular ocasionando insuficiência cardíaca congestiva. Nessa fase, pode ocorrer a formação de trombose mural, especialmente em aneurismas que se formam no VD ou na presença de fibrilação atrial. O fenótipo pode mimetizar uma cardiomiopatia dilatada avançada, dificuldando o diagnóstico diferencial nas fases mais avançadas da doença. 16 Recentemente, Calkins et al., 6 relataram o seguimento clínico de um coorte de 102 pacientes diagnosticados com C/DAVD após os 50 anos de idade. Os autores observaramque, embora a TVS seja também frequente nesse subgrupo etário, a incidência de síncope, de alterações eletrocardiográficas típicas, de ectopia ventricular ao Holter e de mutação patogênica se mostrou menos prevalente que nos pacientes de menor faixa etária. 6 Uma manifestação mais tardia da C/DAVD não se traduz em um melhor prognóstico de sobrevida livre de eventos arrítmicos de alto risco. 14 Diagnóstico clínico em geral, o diagnóstico de C/DAVD deve ser considerado em qualquer indivíduo jovem ou de meia-idade, que apresente: (1) ectopias ventriculares frequentes; (2) taquicardia ventricular commorfologia de BRE com eixo superior ou com múltiplas morfologias de QRS; e (3) MSC. Essa hipótese é reforçada nos casos de eventos arrítmicos que ocorram durante o exercício em indivíduos com ondas T invertidas nas derivações precordiais direitas. 7 Apesar de esses indicadores clínicos levarem à hipótese diagnóstica, o diagnóstico definitivo da C/DAVD permanece um desafio, por se tratar de uma doença com baixa prevalência que carece de um único teste diagnóstico conclusivo. 17 Para padronizar o diagnóstico clínico da C/DAVD, em 1994 uma força-tarefa internacional (TFC 94) propôs diretrizes sob a forma de um sistema de pontuação qualitativa com critérios maiores e menores. 1,4 Em 2010, a força-tarefa revisou as diretrizes para melhorar a sensibilidade diagnóstica, principalmente para o rastreamento clinico (TFC 2010) 18 dos membros da família, fornecendo critérios quantitativos para o diagnóstico de anormalidades do VD e agregando critérios genéticos moleculares (Tabela 1). 4,16 Apesar de ser o padrão-ouro atual, a TFC de 2010 não se aplica às formas com predominio de acometimento das câmaras esquerdas 19 que possivelmente serão incluídos em revisões futuras. 4,20 Os pacientes são diagnosticados como portadores de C/DAVD se apresentam um total de 4 pontos considerando-se que o critério maior tenha o valor de 2 pontos; e o critério menor, o de 1 ponto. Os pacientes que atingem o escore de “3 pontos” são classificados como prováveis portadores de C/DAVD, enquanto aqueles com1 ou 2 pontos são classificados como não preenchendo critérios para C/DAVD. 6,18 A avaliação inicial consiste em exames não invasivos (ECG, ECG-AR, ecocardiograma (ECO) e/ou RMC, Holter de 24 horas e análise genética), enquanto os exames invasivos (ventriculografia direita e biópsia endomiocárdica) são recomendados apenas para os indivíduos com alto risco da doença. 1,5 Os critérios teciduais utilizados na TFC 2010, obtidos pela biópsia endomiocárdica, focaram na gravidade da perda de miócitos e na quantificação da fibrose. 21 Entretanto, a biópsia endomiocárdica é invasiva e sua sensibilidade diagnóstica pode ser limitada devido à distribuição heterogênea e variável da doença. Embora a parede livre do VD seja frequentemente afetada, a biópsia é, geralmente, feita no septo devido ao receio de perfuração, o que compromete aindamais sua sensibilidade. 22 Raramente, utilizada fora dos EUA, seu valor no diagnóstico da C/DAVD reside, principalmente, no diagnóstico diferencial com outras cardiomiopatias, miocardites e sarcoidose. 4 Eletrocardiograma Ritmo sinusal OECGde 12 derivações costuma apresentar anormalidades na maioria dos pacientes portadores de C/DAVD, indicando que as alterações eletrocardiográficas podem anteceder o desenvolvimento das arritmias ventriculares malignas (Figura 1). Sendo assim, saber reconhecer as manifestações comuns da C/DAVD no ECG de 12 derivações, no teste ergométrico e no Holter de 24 horas, pode ser útil no aumento da acurácia diagnóstica ao gerar a suspeita clínica. 7 Além disso, pode auxiliar na identificação de familiares afetados. 6,9 Entretanto, embora a análise do ECG seja fundamental na estratificação inicial, cerca de 12% dos pacientes com C/DAVD podem apresentar um ECG normal, o que reforça a necessidade de que a avaliação clínica tome como base os critérios propostos pelo TFC 2010. 9 Além das alterações eletrocardiográficas classicamente descritas na C/DAVD, outras alterações podem ser identificadas no ECG basal: bradicardia sinusal, anormalidades na onda P (secundárias ao envolvimento atrial) e distúrbio da condução AV (mais frequentemente BAV de primeiro grau). É rara a ocorrência de distúrbio grave da condução atrioventricular na C/DAVD. 9 Vários estudos multicêntricos demonstraram que a inversão da onda T em V1-3 é o achado ECG mais comum na C/DAVD. Em decorrência disso, no TFC 2010, essa alteração da onda T passou a ser considerada um critério maior para seu diagnóstico. Já a presença de inversão da onda T apenas 3

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