ABC | Volume 112, Nº1, Janeiro 2019

Elias Neto et al C/DAVD – Diagnóstico e tratamento Arq Bras Cardiol. 2019; 112(1):91-103 Artigo de Revisão o ciclo cardíaco são mais comprometidos. Em geral, os músculos trabeculados da região endocárdica do VD e o septo interventricular (aspecto relevante quando da diferenciação com a sarcoidose) são poupados. Quando o ventrículo esquerda (VE) está envolvido, a degeneração miocárdica e a fibrose são mais visíveis no subepicárdio e no miocárdio médio da parede lateral. 1,8 Na forma típica da C/DAVD, o VE é afetado em menor grau do que o VD; entretanto, existem variantes da doença caracterizadas por envolvimento equivalente ou mesmo predominante do VE. 1,4,5 Características genéticas e moleculares Na maioria dos casos, a C/DAVD é uma doença hereditária com padrão autossômico dominante, com penetrância e expressividade variável. Entre os probandos diagnosticados com a doença, um screening nos parentes de primeiro grau possibilita identificar presença de mutações genéticas em aproximadamente 50% dos casos, independentemente do sexo. Em um número pequeno dos casos, a C/DAVD apresenta um padrão autossômico recessivo como parte de uma síndrome cardiocutânea (doença de Naxos ou síndrome de Carvajal), que se caracteriza por um cabelo lanoso e ceratodermiapalmoplantar. 4,6 Como observado em outras doenças familiares, existe um alto grau de heterogeneidade na C/DAVD. Até o momento, mutações em mais de 12 genes foram identificados como causadores da C/DAVD, embora muitos desses genes também sejam responsáveis por outras doenças. 9 Outros pacientes com C/DAVD podem ter anormalidades genéticas cujas mutações ainda não foram identificadas. Essas mutações podem ser herdadas de familiares ou resultado de uma nova mutação. 9 Um indivíduo que apresente mutação para C/DAVD pode ou não desenvolver sinais e sintomas da doença. Estudos recentes sugerem presença de uma ou mais anormalidades genéticas adicionais em uma mesma classe de gene, como o plakophilin-2 ( PKP2 ), por exemplo, pode determinar quando um indivíduo portador de mutação pode ser clinicamente afetado pela doença. 10-12 As mutações podem ser em genes desmossomais e não desmossomais. Estas mutações podem ser encontradas e registradas no endereço eletrônico: https://doi.org/10.1002/ humu.22765. 13 Importância e limitações do teste genético O teste genético pode ser útil para determinar o diagnóstico nem um indivíduo suspeito de apresentar C/DAVD e para identificar parentes que não apresentam sinais e sintomas de C/DAVD, mas que são portadores do defeito genético. Se um gene anormal é identificado em um probando e não nos membros da família, é pouco provável que esses membros venham a apresentar a doença baseada nessa anormalidade genética. 4,5,10,11 Entretanto, existem várias observações que limitam a análise e a utilização do teste genético na C/DAVD: • O probando pode apresentar um segundo defeito genético não identificável. • O gene mais comumente relacionado à manifestação de sinais e sintomas de C/DAVD é o da PKP2 . Entretanto, essa anormalidade genética pode requerer uma segunda mutação nesse mesmo gene ou em outro gene desmossomal para que efetivamente a doença se manifeste. Ou seja, a simples identificação do gene não pode definir se ele é o causador da doença. • A não possibilidade de identificar todos os genes associados à patologia, bem como a existência de mutações combinadas tornam a C/DAVD uma doença geneticamente complexa, o que dificulta o aconselhamento familiar. 11 Deve-se proceder a exames periódicos em todos os indivíduos com anormalidades genéticas para C/DAVD. Recomenda-se que a avaliação cardíaca se inicie entre os 10 e 12 anos de idade, porque a manifestação da doença antes dessa idade é rara. Sugere-se que os testes incluam eletrocardiograma, eletrocardiograma de alta resolução (ECG‑AR), ecocardiograma e, se possível, RMC e Holter de 24 horas. Recomenda-se que essa avaliação seja repetida a cada 2 anos, entre os 10 e 20 anos de idade, e a cada 5 anos após os 20 anos de idade. A avaliação poderá ser interrompida entre 50 e 60 anos de idade por ser incomum a apresentação da doença nessa faixa etária. Uma vantagem adicional do teste genético reside no auxílio da realização do diagnóstico diferencial, como no caso da sarcoidose cardíaca, que pode mimetizar os sinais e sintomas da C/DAVD. Ademais, estudos recentes de biologia molecular voltaram a colocar em perspectiva o debate sobre uma possível ligação patogênica entre a C/DAVD e a síndrome de Brugada (SB). 4,12,13 Apresentação clínica e história natural Epidemiologia A C/DAVD tem uma penetrância idade-dependente e se manifesta tipicamente entre a 3 a e a 5 a década de vida na forma de episódios de arritmias ventriculares que podem evoluir para MSC. A prevalência estimada varia de 1:2.000 a 1:5.000, com predomínio na população caucasiana e em participantes de exercícios extenuantes ou de esporte competitivo. 1,6,7 Apesar de sua baixa prevalência, a C/DAVD representa aproximadamente 5% a 20% dos casos de MSC em jovens. É extremamente rara a ocorrência de C/DAVD em indivíduos com idade inferior a 12 anos ou após os 60 anos. 7,14,15 A doença é mais maligna nos homens do que nas mulheres, um achado que pode ser explicado por uma influência direta dos hormônios sexuais sobre os mecanismos envolvidos na expressão fenotípica da doença ou por diferenças na quantidade e intensidade do esforço fisico. 5 Quadro clínico e história natural A história natural da C/DAVD, em sua forma clássica (VD dominante), pode ser classificada em 4 fases distintas, de acordo com a progressão das alterações estruturais e a sintomatologia clinica: 2

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