ABC | Volume 112, Nº1, Janeiro 2019

Artigo de Revisão Cardiomiopatia/Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito (C/DAVD) – O Que Aprendemos após 40 Anos do Diagnóstico desta Entidade Clínica Arrythmogenic Right Ventricular Cardiomiopathy/Dysplasia (ARVC/D) - What We Have Learned after 40 Years of the Diagnosis of This Clinical Entity Jorge Elias Neto, 1 Joelci Tonet, 2 Robert Frank, 2 Guy Fontaine 2 Vitória Apart Hospital - Serviço de Eletrofisiologia, 1 Serra, ES – Brasil ‘Unité de Rythmologie de l’Institut de Cardiologie de l’Hôpital Pitié-Salpêtrière, 2 Paris – França Correspondência: Jorge Elias Neto • Vitoria Apart Hospital - Serviço de Eletrofisiologia - Rodovia BR-101 Norte, Km 2,38, s/n. CEP 29161-900, Boa Vista II, Serra, ES – Brasil E-mail: jeliasneto@gmail.com Artigo recebido em 14/08/2018, revisado em 12/09/2018, aceito em 12/09/2018 Palavras-chave Displasia Arritmogênica Ventricular Direita/fisiopatologia; Arritmias Cardíacas/diagnóstico por imagem; Ablação por Cateter; Desfibriladores Implantáveis; Ressonância Magnética. DOI: 10.5935/abc.20180266 Resumo A cardiomiopatia/displasia arritmogênica do ventrículo direito (C/DAVD) foi inicialmente reconhecida como uma entidade clínica por Fontaine e Marcus que avaliaram um grupo de pacientes com taquiarritmia ventricular proveniente de um ventrículo direito (VD) estruturalmente comprometido. Desde então, houve avanços significativos na compreensão da fisiopatologia, manifestação e evolução clínica e prognóstico da patologia. A identificaçãodemutações genéticas comprometendo os desmossomos cardíacos levou a inclusão desta entidade na classificação das cardiomiopatias. Classicamente, a C/DAVD é uma doença hereditária que se caracteriza por arritmias ventriculares, disfunção ventricular direita e/ou esquerda; e substituição fibro-gordurosa dos cardiomiócitos; cuja identificação pode ser muitas vezes desafiadora, devido à apresentação clínica heterogênea, expressividade intra- e inter- familiar altamente variável e penetrância incompleta. Na falta de um padrão-ouro que permita o diagnóstico da C/DAVD, várias categorias diagnósticas foram combinadas e, recentemente revisadas buscando uma maior sensibilidade diagnóstica, sem comprometer a especificidade. A descoberta de que as anormalidades elétricas, particularmente as arritmias ventriculares, geralmente precedem anormalidades estruturais é extremamente importante para a estratificação de risco em membros genéticos positivos. Entre os exames complementares, a ressonância magnética cardíaca (RMC) possibilita o diagnóstico precoce de comprometimento ventricular esquerdo, mesmo antes das anormalidades morfofuncionais. A estratificação de risco continua a ser um grande desafio clínico e medicamentos antiarrítmicos, ablação de cateter e desfibrilador cardioversor implantável são as ferramentas terapêuticas atualmente disponíveis. A desqualificação do esporte previne casos de morte súbita uma vez que o esforço pode desencadear não só a instabilidade elétrica, mas também deflagrar o início e a progressão da doença. Introdução A C/DAVD é uma doença hereditária do músculo cardíaco que afeta predominantemente o ventrículo direito (VD). Caracteriza-se pela perda progressiva do tecido miocárdico ventricular direito e sua substituição por tecido fibrogorduroso. 1,2 Originalmente descrita por Fontaine e Marcus em 1982, a C/DAVD é uma das principais causas de morte súbita arrítmica (MSC) em jovens e atletas. 3 Nos últimos anos houve avanços substanciais no entendimento de sua patogênese, manifestações clínicas e evolução de longo prazo. 4 A doença foi inicialmente designada como displasia porque se pensava se tratar de defeito congênito do desenvolvimento do miocárdio do VD. A descoberta subsequente de que a doença é causada por um defeito genético nos desmossomos cardíacos possibilitou sua descrição como cardiomiopatia e sua inclusão na classificação de cardiomiopatias pela American Heart Association (AHA). 4-7 Etiopatogênese Características histopatológicas O achado histopatológico característico da C/DAVD é a perda progressiva do tecido miocárdico do VD que é substituído por tecido fibrogorduroso. É comum a presença de infiltrado inflamatóriomononuclear irregular (predominantemente linfocitário), o que sugere que o processo possa ter uma mediação imunológica. 8 Tem sido proposto que o infiltrado inflamatório pode estender a lesão para regiões previamente sadias, processo associado a uma piora das anormalidades eletrocardiográficas com consequente aumento das arritmias sintomáticas. Esse tipo de evolução pode ser confundido com uma miocardite aguda. 8 Ao contrário do observado em várias formas de doença cardíaca, nas quais ocorreu um predomínio do envolvimento da musculatura subendocárdica, na C/DAVD o maior comprometimento se evidencia na região subepicárdica da parede livre do VD. Além disso, segmentos da parede livre do VD que experimentam o maior estresse mecânico durante 1

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