ABC | Volume 111, Nº6, Dezembro 2018

Artigo Original Ferreira et al O ácido úrico e fatores de risco cardiovascular Arq Bras Cardiol. 2018; 111(6):833-840 Introdução As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de mortes no mundo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, doença cardíaca isquêmica e acidente vascular cerebral, juntos, responderam por 15 milhões de mortes em 2015. 1 Assim, é importante identificar marcadores precoces e economicamente viáveis de risco de DCV. Ácido úrico é o produto final do metabolismo das purinas endógenas e dietéticas. 2 Em diversos estudos observacionais transversais e longitudinais, níveis elevados de ácido úrico sérico (AUS) se associaram a um risco aumentado de eventos cardiovasculares e de mortalidade por DCV, bem como a fatores de risco cardiovascular, tais como hipertensão, obesidade, síndrome metabólica, resistência à insulina e dislipidemia. 3 A concentração aumentada de AUS também se associou positivamente a marcadores intermediários de risco cardiovascular: função endotelial comprometida, espessamento médio‑intimal da carótida e rigidez aórtica. 4-11 Vale ressaltar que a maioria dos estudos direcionados à avaliação da relação do AUS com a função vascular e/ou com marcadores cardiometabólicos foi conduzida em mulheres na pós-menopausa, indivíduos mais velhos e/ou em indivíduos com comprometimento renal ou fatores de risco para DCV (ex. hipertensão e diabetes). 3,5-11 Assim, os participantes incluídos em diversos estudos anteriores eram mais passíveis de serem afetados por um status cardiocirculatório e/ou metabólico comprometido que poderia representar um fator de confundimento na associação entre o AUS e os fatores de risco cardiometabólico. O objetivo deste estudo foi avaliar a relação do AUS com adiposidade corporal, perfil metabólico, biomarcadores de inflamação, estresse oxidativo, pressão arterial e função endotelial em uma amostra de adultos jovens e de meia‑idade saudáveis. Métodos O presente estudo transversal foi conduzido na Disciplina de Fisiopatologia Clínica e Experimental (CLINEX), localizada no Hospital Universitário Pedro Ernesto, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Participantes em potencial foram recrutados na sala de espera dos Departamentos de Ortopedia, Cirurgia Plástica e Ginecologia. O critério de inclusão consistiu em apresentar idade entre 18 e 55 anos. Os critérios de exclusão foram tabagismo; uso de suplementos alimentares; uso de medicações capazes de interferir no peso corporal, perfil metabólico e pressão arterial; uso de agentes bloqueadores α -adrenérgicos; mudanças recentes (nos últimos 6 meses) no peso corporal (> 3 kg), na ingestão alimentar e na intensidade ou frequência de exercícios físicos; diagnóstico de diabetes mellitus , hipertensão, dislipidemia (com tratamento por drogas) e doença renal; histórico clínico de disfunção da tireóide, angina de peito, doença vascular periférica, neuropatia periférica, insuficiência cardíaca, insuficiência hepática, doença pulmonar crônica, enfarte do miocárdio e acidente vascular cerebral; e deformidade dos dedos que poderia impedir o uso adequado dos sensores necessários para avaliar a função endotelial. A participação de mulheres grávidas ou lactantes não foi permitida neste estudo. Indivíduos que atenderam aos critérios de elegibilidade e concordaram em fazer parte do estudo foram agendados para chegarem ao Laboratório do CLINEX entre 8:00 e 10:00 da manhã, após umperíodo de jejumde 12h e abstinência de álcool por 3 dias. Durante o jejum, eles foram submetidos a avaliação clínica, nutricional, laboratorial e da função endotelial. Avaliação nutricional Foi utilizado um questionário de frequência alimentar semi-quantitativo (QFA) para avaliar a ingestão dietética de proteínas, carboidratos, lipídios, colesterol, fibras e cálcio ao longo dos últimos 6 meses. Esse QFA contendo 80 itens e porções usuais foi desenvolvido para a população brasileira, baseado em alimentos de consumo habitual. 12 O consumo de álcool foi considerado quando a frequência relatada era igual ou acima de 1 vez por semana. A estatura foi medida por um estadiômetro com precisão de ± 0,5 cm e o peso corporal foi obtido usando uma balança graduada com precisão de ± 0,1 kg (Filizola S.A., São Paulo, SP, Brasil) após os participantes, sem sapatos e usando roupas leves, terem esvaziado a bexiga. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado utilizando a equação‑padrão (kg/m 2 ). A circunferência da cintura (CC) foi avaliada com o paciente em pé, no ponto médio entre a margem inferior da última costela e a crista ilíaca durante a expiração. A circunferência do quadril foi medida no maior diâmetro da região glútea com a fita métrica paralela ao chão. A razão cintura-quadril foi determinada dividindo a CC (cm) pela circunferência do quadril (cm). A razão cintura-estatura foi obtida dividindo a CC (cm) pela estatura (cm). As medidas antropométricas foram aferidas duas vezes e os valores médios foram usados nas análises. Parâmetros laboratoriais Alíquotas de plasma e soro foram armazenadas a -80°C conforme adequado, para as determinações laboratoriais. Os parâmetros laboratoriais incluíram níveis circulantes em jejum de ácido úrico, glicose, insulina, uréia, perfil lipídico, proteína C-reativa ultra-sensível (PCR-us), adiponectina e malondialdeído (MDA). A concentração de AUS foi determinada pelo método colorimétrico enzimático e a uréia e a creatinina pelo método cinético. A glicose plasmática em jejum foi medida pelo método da hexoquinase. Os níveis de insulina plasmática em jejum foram determinados pelo método ELISA ( enzyme-linked immunosorbent assay ) usando o kit específico disponível comercialmente (EMD Millipore Corporation Billerica, MA, EUA). A resistência à insulina foi avaliada pelo índice do método da homeostase glicêmica de resistência à insulina (HOMA-IR), calculado como insulina de jejum (μU/mL) × glicose plasmática em jejum (mmol/L)/22,5. 13 834

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=