ABC | Volume 111, Nº6, Dezembro 2018

Minieditorial Cistatina C como um Candidato a Biomarcador de Desfechos Cardiovasculares: Bem Perto, mas Longe Demais da Realidade Cystatin C as a Candidate Biomarker of Cardiovascular Outcomes: Too Near, but too Far from Reality Luiz Sérgio F. de Carvalho, 1,2 Thiago Quinaglia AC Silva, 1 Otávio Rizzi Coelho-Filho 1 Disciplina de Cardiologia - Departamento de Medicina Interna - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 1 Campinas, SP - Brasil Escola Superior de Ciências da Saúde, 2 Brasília, DF - Brasil Minieditorial referente ao artigo: Associação entre Níveis Elevados de Cistatina C e o Desenvolvimento de Eventos Cardiovasculares ou Mortalidade: Uma Revisão Sistemática e Meta-Análise Correspondência: Otavio Rizzi Coelho-Filho • Disciplina de Cardiologia - Departamento de Medicina Interna - Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - Rua Vital Brasil, 251 - Cidade Universitária “Zeferino Vaz”. CEP 13083-888, Campinas, SP - Brasil Email: orcfilho@unicamp.br ou tavicocoelho@gmail.com Palavras-chave Doenças cardiovasculares; Cistatina C; Biomarcadores; Aterosclerose; Taxa de Filtração Glomerular. DOI: 10.5935/abc.20180226 Embora o desenvolvimento de novos fatores de risco para avaliação de risco cardiovascular seja necessário para melhorar a estratificação de risco, comprovar seu valor clínico além dos fatores de risco tradicionais é um desafio rotineiro. 1-3 Além de toda a pesquisa inovadora e direta de biomarcadores publicada nas últimas décadas, apenas muito poucos marcadores de risco cardiovascular mostraram significância clínica. 4,5 Entre muitos deles, a cistatina C surgiu há alguns anos como candidata para melhorar a estratificação do risco cardiovascular. No Cardiovascular Health Study (CHS), 6 um estudo de base comunitária e longitudinal commais de 4.600 idosos, a cistatina Cmostrou predizer desfechos cardiovasculares. Emcomparação com o quintil mais baixo, o quintil mais alto de cistatina C foi associado a um risco significativamente aumentado de morte devido a causas cardiovasculares (razão de risco [RR] 2,27 [1,73-2,97]), infarto do miocárdio (HR 1,48 [1,08-2,02]) e AVC (HR 1,47 [1,09 a 1,96]) após ajuste multivariado. No entanto, a cistatina C é tipicamente conhecida como um marcador da função renal, sendo grosseiramente correlacionada com a taxa de filtração glomerular nos estágios iniciais das doenças renais. 7,8 Razoavelmente, como a função glomerular é um forte marcador substituto de doença cardiovascular, ela sugere uma associação óbvia entre a cistatina C e os desfechos cardiovasculares. Um mecanismo para evitar o impacto desse viés inexorável foi estudar apenas indivíduos com função renal normal. No entanto, estudos adicionais mostraram magnitudes inconsistentes de efeito entre a cistatina C e desfechos cardiovasculares. Nesse contexto, Einwoegerer e Domingueti, 9 nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia investigaram o papel dos níveis plasmáticos de cistatina C no risco de mortalidade por todas as causas e outros desfechos mais brandos, agrupando estudos de indivíduos com função renal normal. Infelizmente, apenas dois estudos compararam quartis de cistatina C com análise de regressão multivariada, fornecendo assim um tamanho de amostra que não está muito longe do estudo original Ludwigshafen Risk and Cardiovascular Health (LURIC). 10 A metanálise sugeriu uma associação robusta entre altos níveis de cistatina C e o risco de mortalidade por todas as causas em indivíduos com função renal normal (RR 2,28 [1,70 - 3,05], p < 0,001). A heterogeneidade entre os estudos foi substancial (I 2  > 50%) e nenhuma análise de sensibilidade foi fornecida. Além das limitações críticas em dados de meta-análise, os autores também forneceram elementos substanciais em uma revisão sistemática de estudos sobre o mesmo tema. Embora um primeiro passo para um biomarcador candidato seja mostrar forte associação com um desfecho clínico, isso não é suficiente para provar sua utilidade clínica complementar além dos fatores de risco cardiovasculares tradicionais, como idade, sexo, tabagismo, hipertensão, diabetes, hiperlipidemia, obesidade e estenose aórtica. Um próximo passo fundamental é mostrar se a cistatina C poderia melhorar a previsão de risco de desfechos cardiovasculares em modelos de curvas da Característica de Operação do Receptor (ROC), índice de reclassificação líquida (NRI) e índice de discriminação integrado (IDI) em comparação com ou adicionado ao Risco Framinghan para doenças cardiovasculares, escore de risco de ASCVD ou qualquer escore/mecanismo de risco cardiovascular validado. 11,12 Além do potencial elo mecanístico entre a cistatina C e a doença aterosclerótica, é improvável que essa associação seja causal. Utilizando uma abordagem de randomização mendeliana, que leva em consideração tanto a associação genética com cistatina C como a DCV para triangular o efeito causal, e combinando um conjunto de coortes de mais de 250.000 indivíduos com 63.000 casos de eventos cardiovasculares do Consórcio de Randomização Mendeliana da Cistatina C, nenhuma associação pode ser encontrada. 13 Esse achado não sugere de maneira alguma que devemos abandonar o uso da cistatina C para fins de estratificação de risco em doenças renais, mas há duas mensagens principais nele: (i) alerta contra a perseguição de estratégias terapêuticas que visam reduzir os níveis plasmáticos de cistatina C; (ii) também indica uma baixa probabilidade de associação entre a cistatina C como marcador cardiovascular substituto sobre os fatores de risco clássicos. No entanto, a última palavra a favor ou contra o uso de cistatina C na prática clínica para estratificação de risco cardiovascular de indivíduos com função renal normal deve ser baseada em estudos que avaliem os efeitos prejudiciais desse marcador nos escores de risco/motores estabelecidos. 808

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=