ABC | Volume 111, Nº6, Dezembro 2018

Relato de Caso Miocardite com Choque Cardiogênico como Primeira Manifestação de Lúpus Eritematoso Sistêmico Myocarditis with Cardiogenic Shock as the First Manifestation of Systemic Lupus Erythematosus Jáder Buzati Rebelato, Caroline Ferreira da Silva Mazeto Pupo da Silveira, Tainá Fabri Carneiro Valadão, Fabrício Moreira Reis, Rodrigo Bazan, Silméia Garcia Zanati Bazan Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP), Botucatu, SP – Brasil Correspondência: Silméia Garcia Zanati Bazan • Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp - Departamento de Clínica Médica - Distrito de Rubião Jr, s/n. CEP 18618-687, Botucatu, SP – Brasil E-mail: sgzanati@fmb.unesp.br, sgzanati@cardiol.br Artigo recebido em 20/02/2018, revisado em 03/05/2018, aceito em 09/05/2018 Palavras-chave Miocardite; Choque Cardiogênico; Lúpus Eritematoso Sistêmico; Insuficiência Cardíaca; Ecocardiografia. DOI: 10.5935/abc.20180216 Introdução O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica com características multissistêmicas e autoimunes. É a doença autoimune sistêmica mais comum, ocorrendo principalmente em mulheres entre 20 e 40 anos de idade, com uma razão de sexo feminino para masculino de 10:1. Embora os rins sejam classicamente considerados o principal órgão acometido pelo LES, a cardiomiopatia é uma das complicações mais frequentemente associadas à morbimortalidade em pacientes com LES. 1 O comprometimento cardiovascular pode ser altamente variável em termos das estruturas afetadas e, em casos graves, pode levar ao choque cardiogênico. Em 2012, a Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC) publicou novos critérios para a classificação do LES, visando otimizar o diagnóstico de comprometimento cardiovascular. Entretanto, os distúrbios cardiovasculares não fazem parte da SLICC, embora haja uma alta prevalência de distúrbios cardiovasculares nessa população. 2 Relato de caso Uma mulher caucasiana de 30 anos de idade, com histórico de três anos de hipertensão arterial, usuária irregular de captopril, procurou atendimento médico devido a uma história de uma semana de dispneia e dor torácica. A paciente apresentava pele fria e úmida, dispneia, hipotensão e taquicardia e estava afebril. Um eletrocardiograma (ECG) de repouso mostrou supradesnivelamento do segmento ST em todas as derivações. Ela tinha sido internada para trombólise com estreptoquinase no hospital original e transferida para o Hospital das Clínicas terciário. A paciente foi admitida em nosso departamento de emergência em ventilação mecânica e hemodinamicamente instável, e recebendo norepinefrina. A radiografia de tórax revelou cardiomegalia e congestão pulmonar; o ecocardiograma transtorácico mostrou derrame pericárdico leve a moderado, com hipocinesia difusa do ventrículo esquerdo e comprometimento sistólico significativo, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 30%, determinada pelo método de Teichholz; a angiografia coronariana nãomostrou lesões coronarianas. Enzimas cardíacas como troponina e CKMB estavam elevadas. Não havia histórico recente de infecção. Além disso, as hemoculturas apresentaram resultado negativo três vezes e a sorologia para o HIV não foi reativa. A paciente foi diagnosticada com miopericardite e o suporte hemodinâmico foi realizado com dobutamina, noradrenalina e bomba de balão intra-aórtico (BBIA). Posteriormente, no décimo dia de internação, a paciente também apresentou sinais de artrite no joelho, alteração da consciência e anisocoria. Uma tomografia computadorizada do cérebro demonstrou múltiplas áreas de hipodensidade cortical e subcortical (Figura 1) e uma arteriografia cerebral mostrou um padrão de vasculite nas artérias cerebrais. Testes anti-nucleares (ANA) e anticorpos anti-DNA foram positivos. Após o diagnóstico demiocardite lúpica, no décimo segundo dia de internação, iniciou-se terapia imunossupressora com metilprednisolona (1 g por via intravenosa uma vez ao dia por três dias consecutivos) e posteriormente com ciclofosfamida (0,6 g/m 2 por via intravenosa uma vez ao mês). Houve melhora clínica significativa, e umecocardiograma transtorácico repetido mostrou resolução completa de todas as alterações. A paciente permaneceu assintomática e, no vigésimo oitavo dia, recebeu alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial com 25 mg de captopril duas vezes ao dia, 30mg de diltiazemduas vezes ao dia, 20 mg de omeprazol uma vez ao dia, 70 mg de prednisona uma vez ao dia e 250 mg de cloroquina uma vez por dia. Discussão O LES é uma doença autoimune multissistêmica inflamatória crônica com características complexas que afeta principalmente mulheres, cujo início geralmente ocorre entre os 16 e os 55 anos de idade; tem frequência variável na população geral, com incidência de 1: 200 em mulheres negras. 1 Recentemente, os critérios diagnósticos para o LES, chamados coletivamente de SLICC, foram revisados e aumentados para um total de 17 critérios, a partir dos 11 critérios da classificação anterior de 1997. 2 Para diagnosticar o LES de acordo com as novas recomendações, quatro ou mais critérios devem ser atendidos, e pelo menos um deles deve ser clínico, enquanto um deve ser imunológico. 1 864

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