ABC | Volume 111, Nº6, Dezembro 2018

Ponto de Vista Morte Súbita no Atleta Jovem Brasileiro: Não Será Hora de Criarmos um Registro Genuinamente Nacional? Sudden Death in Young Brazilian Athletes: Isn’t It Time We Created a Genuinely National Register? Lucas Helal, 1,2 Filipe Ferrari, 1,3 Ricardo Stein 2,3,4 Programa de Pós-graduação em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1 Porto Alegre, RS – Brasil Laboratório de Fisiopatologia do Exercício, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 2 Porto Alegre, RS – Brasil Grupo de Pesquisa em Cardiologia do Exercício, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 3 Porto Alegre, RS – Brasil Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 4 Porto Alegre, RS – Brasil Correspondência: Ricardo Stein • João Caetano, 20/402. CEP 90470-260, Petrópolis, Porto Alegre, RS – Brasil E-mail: rstein@cardiol.br , kuqui.r@gmail.com Artigo recebido em 16/04/2018, revisado em 12/06/2018, aceito em 12/06/2018 Palavras-chave Doenças Cardiovasculares; Atletas; Adolescente; Esportes Juvenis; Morte Súbita Cardíaca; Genótipo. DOI: 10.5935/abc.20180207 Resumo Atletas jovens (≤ 35 anos), com doenças cardiovasculares de diagnóstico conhecido ou não, podemmorrer subitamente em atividades competitivas, fato este que pode causar grande impacto na mídia e na sociedade. Embora apresentem risco relativo aproximadamente duas vezes maior em comparação com seus pares não-atletas, a incidência absoluta de morte súbita (MS) é baixa. Entre entidades médicas no mundo todo, é consenso que a detecção precoce dos fatores causais é muito desejável, mas há debate em relação aos diferentes esquemas de rastreamento para esse fim. No Brasil, a recomendação da Sociedade Brasileira de Cardiologia espelha-se nas diretrizes da European Society of Cardiology (ESC), segundo as quais o exame clínico aliado a um eletrocardiograma de repouso de 12 derivações é indicado, independentemente da presença de fatores de risco. A possibilidade de rastreamento genético também existe, uma vez que a maior parte das entidades clínicas causadoras de MS no esporte em jovens atletas se relaciona com o genótipo. Por fim, considerando a diversidade de modalidades esportivas praticadas, e sendo a população brasileira muito miscigenada, salientamos a necessidade de um registro nacional de casos. Introdução Amorte súbita (MS) ematletas jovens (commenos de 35 anos) é um evento peculiar. Muito embora de rara frequência, casos têm sido divulgados pela mídia de grande alcance, e isso tem o potencial de promover impacto, tanto nos órgãos de saúde quanto na sociedade civil. O sentimento contra-intuitivo de que indivíduos jovens, presumivelmente assintomáticos e com aptidão física acima da média possam morrer subitamente durante a prática esportiva temuma poderosa penetração social, sobretudo quando são afetados atletas de elite. Pessoas envolvidas em atividades competitivas intensas têm risco relativo de MS quase duas vezes maior que seus pares de mesma idade e não-atletas, embora a incidência absoluta seja muito baixa - 0,5 a 2 eventos/100.000 atletas/ano. 1 Usualmente, entidades clínicas cardíacas ou vasculares, de diagnóstico conhecido ou não, são as causas de MS mais prevalentes, sendo a participação em eventos esportivos o fator desencadeador da sua ocorrência. As mais frequentes são de origem genética e de caráter hereditário, podendo ser estruturais (e.g., miocardiopatias) ou não (e.g., canalopatias). Por outro lado, as doenças da aorta (e.g. Síndrome deMarfan) e a doença arterial coronariana sãomenos prevalentes, mas também têm sido descritas nesta faixa etária. 2 A partir de evidências não relacionadas ao exercício, fatores causais externos também podem ser cogitados. Por exemplo, o uso de drogas estimulantes do sistema nervoso central e de esteroides anabolizantes parece aumentar o risco de MS em adultos, 3,4 sendo plausível levantar a hipótese de que atletas expostos a estes fatores de risco possam incrementar tal estatística. Em relação à sua prevenção, alguma taxa de sucesso pode ser alcançada se a doença for detectada em tempo. Algumas enfermidades têm tratamento disponível e, em certas ocasiões, pode haver decisão médica de suspender a participação do atleta no esporte competitivo (desqualificação), oferecendo‑lhe proteção. Por isso, sempre que possível, a detecção precoce de tais doenças deve ser realizada. No entanto, as sociedades médicas de países diversos recomendam esquemas de rastreamento distintos. 5,6 Uma vez que a etiologia dos fatores causadores pode variar conforme a geografia, etnia, modalidade esportiva, herança genética e idade, este ponto de vista visa a discutir a necessidade de um registro nacional de casos, para que a melhor estratégia de prevenção e detecção precoce possa ser traçada no Brasil – uma ideia já mencionada há sete anos neste mesmo periódico. 7 Esquemas de rastreamento propostos e a ausência de um registro brasileiro Em 2011, Peidro, Froelicher e Stein publicaram um ponto de vista discutindo particularidades de exames pré‑participação (EPP) para prevenção de MS em atletas jovens na Argentina e no Brasil. 7 Naquele momento, frente às experiências vividas pelas comunidades americana e italiana em relação à efetividade dos diferentes algoritmos de decisão, foi sugerida a necessidade de registros nacionais (Argentina e Brasil) para casos de MS. Desde então, muito pouco foi realizado, e a recomendação nacional não é feita 856

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