ABC | Volume 111, Nº5, Novembro 2018

Minieditorial Agressão Cardiovascular por Doxorrubicina: A Busca de Mecanismos Cardiovascular Aggression by Doxorubicin: The Search for Mechanisms Wolney de Andrade Martins Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Uso da Rigidez Arterial para Monitoramento Precoce de Eventos Adversos Cardiovasculares por Antracíclicos em Pacientes com Câncer de Mama. Um Estudo Piloto Correspondência: Wolney de Andrade Martins • Rua Marques do Paraná, 303, 6º Andar. CEP 24030-215, Centro, Niterói, RJ – Brasil E-mail: wolney_martins@hotmail.com Palavras-chave Doenças Cardiovasculares/complicações; Neoplasias; Cardiotoxicidade; Doxorrubicina; Ciclofosfamida; Efeitos Colaterais e Reações Adversas Relacionadas a Medicamentos; Rigidez Vascular; Disfunção Ventricular. DOI: 10.5935/abc.20180214 A cardio-oncologia é um tema emergente em eventos e periódicos de cardiologia. O aumento da incidência de câncer (CA) e das taxas de sobrevivência, o acesso facilitado a cuidados médicos e a multiplicidade de regimes de quimioterapia contribuem para o crescimento do diagnóstico de complicações cardiovasculares em pacientes com CA. O aumento da prevalência e mortalidade por CA, bem como suas complicações cardiovasculares, são o preço que as nações pagam pelo envelhecimento de suas populações em um ambiente oncogênico. 1 Portanto, estamos diante de um problema epidemiológico e de grandes desafios clínicos. A descoberta, na década de 1960 na costa doMar Adriático, de um pigmento vermelho produzido por um fungo com grande poder citotóxico alterou paradigmas e introduziu o conceito de cura na cancerologia clínica. 2 Os relatos de toxicidade apresentados anteriormente acerca de outros agentes quimioterápicos também se confirmaram com relação à nova classe de antraciclinas. A novidade era a real possibilidade de cura. Na avaliação risco-benefício, os efeitos adversos foram negligenciados em nome da decisão de utilizá-las. 3 O alerta sobre a cardiotoxicidade da doxorrubicina (DOXO) veio com a descrição da clássica curva de von Hoff, onde o risco de incidência de insuficiência cardíaca em doses cumulativas acima de 500 mg/m 2 foi demonstrado. 4 Inicialmente, afirmou-se que o mecanismo seria um efeito oxidativo do agente quimioterápico. Posteriormente, foi demonstrado que a DOXO exercia um efeito bloqueador sobre as topoisomerases II alfa (células neoplásicas) e beta (cardiomiócitos), bem como suas consequências para a estrutura do DNA, causando a morte celular. 5 Outros mecanismos de agressão celular tornar-se-iam claros apenas recentemente, quando a ação sobre as propriedades mecânicas das células cancerosas e saudáveis foi demonstrada, particularmente seus efeitos sobre a membrana celular. 6 Atualmente, há críticas pertinentes acerca da falta de estudos com metodologia criteriosa e casuística satisfatória em cardio-oncologia. De fato, há uma falta de pesquisas em ciência básica abordando os mecanismos de agressão das doenças cardiovasculares em pacientes com CA. O estudo publicado nos ABC Cardiol 7 investiga as relações entre a rigidez arterial e a disfunção ventricular em pacientes submetidos a DOXO e ciclofosfamida. Teoricamente, o comprometimento citotóxico da DOXO poderia afetar o endotélio, com consequências sobre as variáveis da pressão arterial, tornando-se secundariamente uma das várias agressões miocárdicas ventriculares. Na verdade, não há relatos clínicos significativos de hipertensão arterial em usuários de DOXO, diferentemente de pacientes submetidos a inibidores da angiogênese que atuam bloqueando uma das várias vias de crescimento endotelial. 8,9 A decisão de estudar a DOXO se justifica pela alta prevalência de seu uso em tumores sólidos, como câncer de mama e tumores hematológicos. Na coorte estudada, composta por 24 mulheres de meia‑idade, observou-se claramente um alto risco cardiovascular global. Emmédia, as mulheres eram hipertensas e obesas. Não houve alteração das variáveis de pressão arterial na função ventricular esquerda, conforme as mensurações por velocidade de onda de pulso e por ecocardiografia bidimensional. O resultado negativo não deve ser visto com desânimo. Precisamos de toda informação sobre esses mecanismos. Faz-se urgente entender a fisiopatologia dessas agressões cardiovasculares. Só assim poderemos elaborar ensaios clínicos éticos com maior possibilidade de resultados que possam interferir na redução de lesões cardiovasculares e, sobretudo, na melhora da sobrevida dos pacientes com câncer. 729

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