ABC | Volume 111, Nº5, Novembro 2018

Artigo Original Souza et al Rigidez Arterial e Toxicidade Cardiovascular Arq Bras Cardiol. 2018; 111(5):721-728 Introdução O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres no Brasil e no mundo, depois do câncer de pele não melanoma, responsável por, aproximadamente, 25% de novos casos a cada ano. 1 Os avanços na terapêutica oncológica resultaram tanto na melhora da qualidade de vida, quanto no aumento da sobrevida dos pacientes com câncer. 2 No entanto, a despeito da evolução no tratamento farmacológico das diferentes neoplasias, vários trabalhos têm apontado aumento significativo na ocorrência de eventos adversos cardiovasculares, sobretudo a disfunção miocárdica em pacientes submetidos a tratamento quimioterápico com drogas cardiotóxicas, como do grupo das antraciclinas e, em menor grau, a ciclofosfamida. 3-5 Esquemas quimioterápicos que utilizam doxorrubicina e ciclofosfamida são os mais empregados atualmente no tratamento do câncer de mama no Brasil. 6 Já é estabelecido o potencial cardiotóxico destas drogas, que é avaliado principalmente por ecoDopplercardiograma em trabalhos que mostram aumento na incidência de Insuficiência Cardíaca (IC) em pacientes que receberam estes medicamentos. 7 A identificação precoce do aparecimento de alterações cardiovasculares em pacientes durante o tratamento quimioterápico com fármacos considerados cardiotóxicos poderia adequar o tratamento do câncer, no sentido da adoção de medidas preventivas, substitutivas ou de sua interrupção, com o objetivo de minimizar eventos adversos cardiovasculares causados por estes agentes. 7,8 A Rigidez Arterial (RA) caracteriza-se pela redução das propriedades elásticas das artérias devido a alterações estruturais ou funcionais intrínsecas. 9 Oenvelhecimento é um fator evolutivo normal para o enrijecimento vascular e que pode ser acelerado por fatores diversos, como diabetes e hipertensão. 10 Vários estudos têm relacionado o aumento na RA com a progressão de doenças cardiovasculares. 3,5,11 O aumento precoce na RA pode ser estimado principalmente por meio da avaliação da Velocidade de Onda de Pulso (VOP) obtida por métodos de imagem ou hemodinâmicos indiretos. 3,12,13 Uma vez que alterações cardiovasculares são observadas em alguns pacientes sob o uso de doxorrubicina, e a medida de RA possibilita detectar o início e a progressão da doença cardiovascular, este estudo se justifica no sentido que objetiva estimar a RA, a partir da mensuração da VOP, por avaliação oscilométrica da artéria braquial, em pacientes com câncer de mama em fases iniciais do tratamento quimioterápico com doxorrubicina combinado com ciclofosfamida (esquema AC). Além disso, propõe verificar se há correlação da RA com os valores da Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo (FEVE), condição alterada nos pacientes com cardiotoxicidade, devido ao quimioterápico. Métodos Trata-se de estudo prospectivo e longitudinal com amostra de conveniência. Foram acompanhadas 24 mulheres com idade acima de 18 anos, portadoras de câncer de mama e indicação de, pelo menos, quatro ciclos (a cada 3 semanas) de quimioterapia adjuvante ou neoadjuvante baseada no esquema AC (nas doses de 75 mg/m 2 para doxorrubicina e 600 mg/m 2 para ciclofosfamida em cada um dos ciclos, perfazendodose total de 300 mg/m 2 e 2.400 mg/m 2 para a doxorrubicina e ciclofosfamida, respectivamente). O recrutamento foi feito em um Ambulatório de Oncologia de uma Unidade de Alta Complexidade em Oncologia pública de Belo Horizonte (MG), no período de julho de 2016 e dezembro de 2017. Foram excluídas gestantes e lactantes; pacientes com história prévia de quimioterapia ou radioterapia; avaliação pré‑quimioterapia mostrando função sistólica ventricular esquerda anormal (FEVE < 50%) avaliada por ecoDopplercardiograma; história de/ou doença cardíaca ativa; disfunção hepática ou renal moderada à grave; doenças cérebro-degenerativas que requeressem ação de cuidadores; e aquelas em uso de outros quimioterápicos que não fosse o esquema AC no tratamento do câncer de mama. A randomização deu-se em regime ambulatorial, em avaliação clínica por cardiologista com experiência na área. A seguir, as pacientes foram submetidas a estudo ecocardiográfico, de acordo com a metodologia proposta por Campos-Filho et al., 14 para avaliação de parâmetros cardíacos que pudessem contraindicar a participação no estudo e também para acompanhamento da função cardíaca em diferentes tempos do tratamento quimioterápico, como sugerido pelas diretrizes atuais. 5,7 Após estes procedimentos, as pacientes eram encaminhadas para a quimioterapia com doxorrubicina e ciclofosfamida, no mesmo hospital. A medida da RA, em artéria braquial, foi realizada por meio do equipamento não invasivo Mobil-O-Graph® 24h PWA (I.E.M, Alemanha), por meio de aferição oscilométrica no membro superior. O equipamento possui um dispositivo para a medição da Pressão Arterial (PA) e fornece medidas de VOP, pressão sistólica e diastólicas centrais, e augmentation index , que são utilizadas como estimativa da RA. Este aparelho foi devidamente validado para uso em pesquisa científica pela European Society of Hypertension . 13 As medidas foram feitas no membro superior contralateral ao lado acometido pelo tumor, procurando excluir a influência de cirurgia de esvaziamento axilar e o consequente linfedema. Após a medida do perímetro do membro e a escolha do manguito adequado, o aparelho foi posicionado de maneira semelhante aos procedimentos definidos por diretrizes das sociedades de cardiologia. 7 OMobil-O-Graph® 24h PWA é capaz de oferecer uma série de resultados úteis da condição cardiovascular da paciente avaliada, pois as medidas de PA e VOP são correlacionadas com os dados de peso, altura e idade previamente fornecidos pelo programa do aparelho ( software HMS Client-Server data management). A cronologia do acompanhamento foi feita com medições dos parâmetros hemodinâmicos pelo Mobil-O-Graph® 24H PWA em três momentos distintos: (1) pré-QT, prévio à quimioterapia, quando as medições dos parâmetros hemodinâmicos por método oscilométrico foram feitas 15 minutos antes do início da infusão dos quimioterápicos; (2) pós-1QT, medida até 30 minutos após a administração por infusão Intravenosa (IV) do primeiro ciclo do esquema AC; houve uma variação na infusão do quimioterápico de 45 a 90 minutos; e (3) pós-4QT, medida até 30 minutos após 722

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=