ABC | Volume 111, Nº5, Novembro 2018

Contraponto Flexibilização do Jejum para Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico no Brasil: Ciência ou Conveniência Counterpoint: Flexibilization of Fasting for Laboratory Determination of the Lipid Profile in Brazil: Science or Convenience? Maria Cristina de Oliveira Izar Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP – Brasil Correspondência: Maria Cristina de Oliveira Izar • Alameda Das Dracenas, 290. CEP 06539-240, Alphaville 5, Santana de Parnaíba, SP – Brasil E-mail: mcoizar@cardiol.br , mcoizar@terra.com.br Artigo recebido em 07/04/2018, revisado em 11/04/2018, aceito em 11/4/2018 Palavras-chave Dislipidemias; Colesterol; Lipídeos; Triglicerides; LDL‑Colesterol; HDL-Colesterol; Jejum. DOI: 10.5935/abc.20180192 Diretrizes nacionais e internacionais para o tratamento de dislipidemias classicamente recomendam a avaliação dos perfis lipídicos após jejum de pelo menos 8 horas. 1-3 Os alvos lipídicos para avaliar o risco cardiovascular tradicionalmente dependem dos níveis plasmáticos de colesterol total (CT) e colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c), sendo este último calculado por meio da equação de Friedewald. 4 Algumas imprecisões causadas por concentrações baixas ou altas de triglicérides no cálculo do LDL-c podem afetar a avaliação do risco cardiovascular, a definição de um alvo terapêutico e a necessidade de intensificar o tratamento. 5,6 Resultados precisos requerem níveis de triglicérides abaixo de 400 mg/dL, mas, acima de 100 mg/dL, o LDL-c calculado começa a ser subestimado, quando comparado às medidas de ultracentrifugação. Outra limitação ao uso da fórmula é que as amostras não devem conter lipoproteína de densidade intermediária (IDL), como no caso da hiperlipoproteinemia do tipo III. Quando uma destas condições não é satisfeita, a equação não pode ser utilizada, devido à imprecisão. 5-7 Outros parâmetros lipídicos, como a apolipoproteína-B e o colesterol não HDL (não-HDL-c) refletem o pool de lipoproteínas aterogênicas e surgiram como bons marcadores para melhorar a avaliação do risco cardiovascular e também para orientar a terapia de redução lipídica. 2,3,8,9 Estas variáveis podem ser utilizadas tanto nos estados de jejum quanto sem jejum, e as lipoproteínas sem jejum são consideradas melhores preditores de risco aterosclerótico, quando comparadas às de jejum, por refletirem lipoproteínas aterogênicas remanescentes, com maior correlação com o risco cardiovascular. 2,3,8,9 Para evitar a interferência dos níveis de triglicérides, medidas diretas de LDL-c foram desenvolvidas, 10,11 mas estas técnicas carecem de padronização adequada e foram testadas em poucos ensaios clínicos que usam a LDL-c como alvo. 12,13 Desde então, muitos trabalhos, como resultado de estudos importantes e abrangentes, foram realizados comparando os parâmetros lipídicos de jejum e sem jejum, principalmente CT, HDL-c, LDL-c e triglicérides, concluindo que os níveis de lipídeos sem jejum não diferem clinicamente daqueles de jejum - exceto os triglicérides, que requerem diferentes valores de referência para o estado sem jejum. 14,15 Aqui, apresentamos uma segunda opinião para o que foi declarado no artigo: “Flexibilização do jejum para determinação laboratorial do perfil lipídico no Brasil: ciência ou conveniência?”. Nossa segunda opinião utiliza etapas para construir uma declaração científica. O primeiro passo é encontrar uma questão de interesse a ser debatida. O segundo passo requer compreensão total do que se sabe atualmente sobre o que está sendo explicado. Isto consiste basicamente em publicações científicas, citações que buscam outros artigos científicos e livros sobre o tema. Embora seja possível submeter-se ao consenso científico, não se pode realmente ter um ponto de vista científico pessoal sobre qualquer assunto sem entender o que a pesquisa atual diz sobre o mesmo. Tenha em mente que todos os artigos científicos devem ser encontrados em periódicos com boa reputação e revisados por pares. É melhor abordar a literatura científica sem julgamentos prévios; entretanto, isso pode ser uma tarefa difícil. Depois de revisar todos os artigos relevantes sobre o assunto, é possível desenvolver uma visão científica e uma opinião. Se o material científico coletado chegar à mesma conclusão, é improvável que você tenha um ponto de vista diferente neste momento. Porém, se alguns artigos discordarem, há espaço para debate e uma segunda opinião plausível, se houver uma boa pesquisa apoiando tal visão. Estudos de alta qualidade e bem planejados, com um grande número de participantes, na direção oposta ao que foi dito, realmente reforçam a validade de uma segunda opinião. Este artigo abordará a interpretação, as aplicações e as limitações de um perfil lipídico no estado sem jejum para a prática clínica diária. Em primeiro lugar, uma grande quantidade de dados observacionais, com estudos e registros de base populacional, incluindo 111.048 mulheres, 98.132 homens, 12.744 crianças e pacientes com diabetes, nos quais os perfis lipídicos em estado sem jejum foram comparados com aqueles obtidos em condições de jejum, demonstrou que o máximo de alterações nos lipídeos e lipoproteínas plasmáticas ocorreram entre 1 e 6 horas depois de uma refeição usual. Estes ensaios clínicos mostraram que somente pequenas alterações ocorreram em resposta à ingestão habitual de alimentos na maioria dos indivíduos. 14,16-19 OCT, o LDL-c e as lipoproteínas remanescentes 750

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=