ABC | Volume 111, Nº4, Outubro 2018

Minieditorial De Periódicos à Cabeceira: Devemos Melhorar a Adesão às Diretrizes Práticas From Journals to Bedside: We Must Improve the Compliance with Practice Guidelines Barbara Kumagai e Bruno Caramelli Unidade de Medicina Interdisciplinar em Cardiologia, InCor, HCFMUSP, São Paulo, SP - Brasil Minieditorial referente ao artigo: Fatores Associados com o Manejo Inadequado de Antiagregantes Plaquetários em Perioperatório de Cirurgias não Cardíacas Correspondência: Bruno Caramelli • Av. Dr. Enéas C. de Aguiar,44. CEP 05403-000, Pinheiros, São Paulo, SP - Brasil E-mail: bcaramel@usp.br Palavras-chave Guias de Prática Clínica como Assunto; Infarto do Miocárdio; Assistência Perioperatória; Inibidores da Agregação de Plaquetas/uso terapêutico; Adesão à Medicação; Recusa do Paciente ao Tratamento. DOI: 10.5935/abc.20180186 Nesta edição dos “Arquivos Brasileiros de Cardiologia”, Borges et al. 1 descreveram a taxa de não adesão às diretrizes práticas em um estudo de base hospitalar sobre o uso de antiagregantes plaquetários no contexto perioperatório de cirurgia não cardíaca. 1 Os autores encontraram uma taxa de não adesão extremamente alta de 80,75% e descreveram associação negativa significativa entre a não adesão, o nível de escolaridade do paciente e a presença de infarto do miocárdio prévio. Os autores concluíram que os procedimentos e protocolos locais devem ser definidos com urgência. Os cuidados perioperatórios sofreram profundas mudanças nas últimas décadas. Inicialmente, a avaliação limitava-se a questões relacionadas aos procedimentos anestésicos ou ao cancelamento de intervenções para pacientes com alto risco de complicações. Eventualmente, o envelhecimento populacional, a melhora das técnicas cirúrgicas e o desenvolvimento de procedimentos menos invasivos trouxeram à operação pacientes com maior risco de complicações, principalmente cardiovasculares. Especialistas em cuidados perioperatórios tiveram que desenvolver habilidades novas e interdisciplinares para lidar com vários aspectos da medicina, merecidamente recebendo o apelido de médico camaleão . 2-4 Dentre as complicações perioperatórias, as cardiovasculares são as mais temidas e fortemente relacionadas a mortalidade e morbidade. O infarto do miocárdio que complica a cirurgia não cardíaca representa um grande desafio, especialmente após a sofisticada demonstração de que quase metade dos eventos envolve trombose coronariana na fisiopatologia, e não são uma simples consequência do aumento da demanda de oxigênio ou diminuição da oferta. 5 Em um cenário de um número crescente de procedimentos de implante de stent coronário, esta questão requer recomendações para médicos que trabalham no ponto de atendimento. Elaborado por especialistas e frequentemente apoiado por associações médicas, as diretrizes práticas servem também como referência para aprovação e reembolso de sistemas públicos e privados de saúde. 6 Os autores anteriores também encontraram taxas elevadas de não conformidade em diferentes áreas da medicina, tanto no nível local quanto nacional. No entanto, a taxa de não adesão em relação ao manejo de antiagregantes plaquetários no contexto perioperatório não foi previamente estudada. Apesar de analisar um tamanho de amostra pequeno e um hospital, o estudo de Borges et al. é muito bem-vindo e destaca-se por causa da taxa de não adesão altamente surpreendente de mais de 80%. Olhando mais de perto, no entanto, dois outros aspectos surgiram e devem ser destacados: 1. Tratamentoprestado semsuportebaseadoemevidências O aspecto mais preocupante é a constatação de que quase 30% dos pacientes estavam em uso de antiagregantes plaquetários para prevenção primária de doenças cardiovasculares. Infelizmente, este tratamento não é totalmente sustentado por dados clínicos, mesmo para pacientes com alto risco cardiovascular. 2. Sub-representação de algumas especialidades cirúrgicas De acordo com as diretrizes de prática clínica, existem apenas duas condições específicas em que os agentes antiplaquetários não são seguros e devem ser suspensos antes da cirurgia não cardíaca: ressecção intracraniana e transuretral da próstata devido à possibilidade limitada de compressão local para interromper sangramento. No estudo de Borges et al., contudo, as intervenções urológicas representam apenas 6,8% do grupo e as intervenções neurológicas não foram incluídas. Esse achado nos leva a concluir que as interrupções observadas (ou não) do agente antiagregante plaquetário referem-se, na maioria das vezes no presente estudo, ao seu uso como medicamento de prevenção primária. 3. É correto considerar alguns aspectos relacionados ao uso de tratamento não baseado emevidências como não adesão? Considerando os aspectos 1 e 2 acima, pode-se concluir que, de fato, a maioria dos pacientes do presente estudo não interrompeu ou interrompeu incorretamente o medicamento antiplaquetário que foi prescrito incorretamente (18,6 + 26,1 + 13 = 57,7% na Tabela 2). Apesar da importância do achado no estudo de Borges et al., achamos que seus resultados poderiam estar contidos em dois achados principais: • Os agentes antiplaquetários são frequentemente prescritos em excesso, e essa questão pode ter consequências para os pacientes que podem ser submetidos à cirurgia no futuro. 605

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