ABC | Volume 111, Nº4, Outubro 2018

Artigo Original Borges et al O manejo inadequado de antiagregantes plaquetários Arq Bras Cardiol. 2018; 111(4):596-604 Quadro 01 – Recomendações da SBC (2013) para utilização de AAS e Clopidogrel em pré-operatório de cirurgia não cardíaca Indicações Referências Pacientes em uso de AAS para prevenção secundária em programação de operações não cardíacas devem manter o uso do AAS em dose reduzida (75 a 100 mg/dia), exceto nas neurocirurgias e ressecção transuretral de próstata. 25,28 Pacientes em uso de AAS para prevenção primária, devem suspender 7 dias antes. Para pacientes que usam clopidogrel como prevenção primária, seu uso deve ser suspenso 5 dias antes do procedimento cirúrgico. 26 Para pacientes que usam o clopidogrel para prevenção secundária, considerar o risco de sangramento. Quando o risco de sangramento for moderado ou alto, deve-se suspender o Clopidogrel 5 dias antes do procedimento, mas quando o risco de sangramento for baixo, deve-se manter o antiagregante no perioperatório. 29 AAS: ácido acetilsalicílico. à variável dependente. Utilizou-se o teste de razão de verossimilhança para comparar os modelos, e a adequação dos modelos finais foi avaliada pelo teste de Hosmer-Lemeshow. Todas as análises estatísticas foram realizadas no pacote estatístico do software Stata® versão 12. Aspectos éticos A presente investigação está registrada no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa-CONEP com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética- CAAE de número 33899914.2.0000.5546, em concordância com as normas sobre pesquisa científica envolvendo seres humanos no Brasil. Todos os indivíduos incluídos no estudo concordaram em participar da pesquisa assinando o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Resultados Do total de pacientes entrevistados (n = 1.200), 161 foram incluídos neste estudo por relatarem o uso de pelo menos um antiagregante plaquetário: AAS (156) e clopidogrel (5). Dentre esses, 48 utilizavam o antiagregante para prevenção primária (29,8%) e 113 para prevenção secundária (70,2%). Os pacientes tinham em média 69,5 anos (mínimo = 42; máximo = 99; DP = ±10,5) e eram, na sua maioria, do sexo feminino (54,7%), além de apresentarem uma média de IMC de 27,8 kg/m 2 (mínimo = 17,3; máximo = 46,3; DP =±5,5) e número de doenças em média de 1,8 (mínimo = 0; máximo = 4; DP =±0,9). A maioria apresentava escolaridade até o ensino médio (40,4%) e quanto à média do tempo de uso diário do AAS e/ou Clopidogrel, era de 6,3 anos (mínimo = 1; máximo= 40; DP = ±6,8). A tabela 1 mostra de forma detalhada a característica da amostra: Estava emdesacordo com as diretrizes de cardiologia da SBC para cirurgias não cardíacas 80,7%da amostra. Quanto aos tipos de terapias discordantes, a maior parte se deu nos casos onde o antiagregante plaquetário foi suspenso como recomendado, porémemum tempo superior ao recomendado pelas diretrizes, conforme detalhado na Tabela 2. No que se refere aos responsáveis pela orientação do manejo dos antiagregantes, 85,1 % dos cirurgiões que orientaramos pacientes, assim como 63,2% dos cardiologistas, fizeram-no em desacordo com as recomendações das diretrizes da SBC para utilização de AAS ou clopidogrel em pré-operatório de cirurgias não cardíacas. Quanto aos riscos cardíacos dos procedimentos cirúrgicos aos quais os pacientes foram submetidos, de acordo com as diretrizes de avaliação cardiovascular perioperatória da SBC, 20 a maioria (58%) dos procedimentos foi classificada como de baixo risco cardíaco (< 1%), e nenhum foi classificado como de alto risco neste estudo. Na Tabela 3 são apresentados os resultados das análises multivariadasdascaracterísticasassociadasàterapiaemdesacordo com as recomendações de utilização de AAS ou clopidogrel em pré-operatório segundo a SBC. Após o ajustamento múltiplo, permaneceram independentemente associadas à terapia em desacordo com a SBC a escolaridade com nível superior completo ou incompleto (OR 0,24; IC95% 0,7-0,78) e história previa de IAM (OR 0,18: IC95% 0,04-0,95). Discussão A frequência muita expressiva das terapias com AAS e Clopidogrel discordantes com as recomendações nas diretrizes da SBC (2013) no perioperatório de cirurgias não cardíacas encontrada no presente estudo não foi observada em outros estudos, uma vez que, até onde temos conhecimento, este é o primeiro realizado no Brasil neste sentido. Entretanto, é conhecida a falta de padronização das condutas médicas no manejo de antiagregantes plaquetários, ou seja, há grupos de médicos que defendem a suspensão destes medicamentos antes das cirurgias para evitar eventos hemorrágicos, já outros defendem a manutenção, para evitar eventos trombóticos. 11-13,21-24 As diretrizes brasileiras orientam que, nos casos de uso de AAS ou Clopidogrel para prevenção primária de DCV, estes devem ser suspensos, respectivamente, sete e cinco dias antes do procedimento cirúrgico não cardíaco. Entretanto, neste estudo, a maioria das discordâncias com as diretrizes brasileiras se deu pela suspensão a um período superior aos dias preconizados para o AAS e Clopidogrel. Esta conduta possui potencial de expor os pacientes a complicações cardíacas no perioperatório, uma vez que a literatura demonstra que estes medicamentos, após 8-10 dias de suspensão, têm seus efeitos de antiagregação plaquetária anulados. 25,26 Também foram observados casos onde a conduta de suspender o medicamento foi correta, mas em tempo inferior ao recomendado pelas diretrizes, sendo que dessa maneira não atinge o objetivo de anular o efeito farmacológico do antiagregante plaquetário, já que o efeito deste fármaco em nível plaquetário é irreversível e o seu tempo de ação persiste por aproximadamente 10 dias. 26 598

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