ABC | Volume 111, Nº4, Outubro 2018

Artigo Original Borges et al O manejo inadequado de antiagregantes plaquetários Arq Bras Cardiol. 2018; 111(4):596-604 Introdução Estudo publicado em 2016 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que, no ano de 2012, ocorreram aproximadamente 313 milhões de cirurgias em nível global, demonstrando umaumento de 38%emoito anos. Nessemesmo estudo verificou-se, no Brasil, a ocorrência de aproximadamente 6 mil cirurgias a cada 100.000 habitantes, contabilizando uma estimativa de 10 a 13 milhões de procedimentos cirúrgicos no ano de 2012, 1 sendo que a taxa de cirurgias não cardíacas foi estimada em 3 milhões por ano. 2 Estes números tendem ainda a aumentar em decorrência de diversos fatores, como o crescimento e envelhecimento populacional. 3 Em 2014 Botto et al., 4 afirmaram que as complicações cardíacas são a principal causa de morte pós-operatória de pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas. Dado alarmante, uma vez que no mundo, mais de 10 milhões de adultos, a cada ano, apresentam pelo menos uma complicação cardíaca nos primeiros 30 dias após a realização de procedimento cirúrgico não cardíaco. 4,5 Dentre as complicações cardíacas decorrentes destes tipos de procedimento, a mais comum é o infarto agudo do miocárdio (IAM), 4,6,7 que também está associado a mortalidade em longo prazo, apesar de muitas vezes ser detectado precocemente durante o rastreio clínico. 8 Devido ao papel chave desempenhado pelas plaquetas na patogênese de eventos aterotrombóticos, a utilização de antiagregantes plaquetários é essencial na prevenção primária e secundária dos eventos cardiovasculares. 9 Porém, embora a utilização de agentes antiplaquetários tenha aumentado a segurança cardiovascular de muitos pacientes 10 frente à necessidade de cirurgias não cardíacas, os cirurgiões e os anestesiologistas são confrontados frequentemente com a decisão de interromper ou não a terapia antiplaquetária desses pacientes durante o período perioperatório, visto os riscos da ocorrência de trombos ou de sangramento, respectivamente. 11-13 Desta forma, para auxiliar profissionais médicos na tomada de decisão no período perioperatório no tocante à terapia antiplaquetária, foram publicadas as recomendações do colégio americano demédicos do tórax (2012) e das sociedades brasileira (2013), europeia e americana de cardiologia (2014), as quais devem servir como bases de evidências clínicas para ajudar na conduta perioperatória e, consequentemente, garantir maior segurança aos pacientes. 5,14-16 Neste sentido, este estudo buscou avaliar os fatores associados ao manejo inadequado de antiagregantes plaquetários em perioperatório de cirurgias não cardíacas, fundamentado nas diretrizes brasileiras existentes. Métodos Delineamento do estudo, amostra e coleta de dados Trata-se de um estudo do tipo transversal realizado em um hospital de alta complexidade, o qual é referência emcardiologia e possui acreditação hospitalar internacional. Esta unidade hospitalar contém 150 leitos e, durante o período do estudo, 650 cirurgias não cardíacas foram realizadas emmédia por mês. Foram incluídos no estudo pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas e que faziam uso prévio e regular de pelo menos um antiagregante plaquetário, para prevenção primária ou secundária, que constituíram uma amostra obtida por conveniência e não probabilística, composta por pacientes adultos (com 18 anos ou mais). A coleta de dados foi realizada de outubro de 2014 a outubro de 2016 mediante entrevista com os pacientes ou seus acompanhantes, antes de os pacientes serem submetidos aos procedimentos cirúrgicos, com aplicação de questionário específico para obtenção de dados. As entrevistas foram realizadas por uma equipe de profissionais e acadêmicos previamente treinados, participantes dos Departamentos de Farmácia e Medicina de Universidade Pública e do Departamento de Farmácia de Universidade privada. Variáveis e análise dos dados A análise descritiva das variáveis foi realizada com a determinação das frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas, e da média para variáveis quantitativas. Nas análises univariada e multivariada, definiu-se como variável dependente a terapia pré-operatória com AAS ou clopidogrel, inadequada de acordo com as recomendações da SBC (sim vs não), já que o estudo foi realizado no Brasil. Para atender a esta variável, primeiramente foi identificado se o paciente utilizava o antiagragante plaquetário para prevenção primária ou secundária, e depois foi avaliada a adequação conforme as recomendações propostas pelas diretrizes de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes em cardiologia da SBC, adotadas na instituição como referência à época do estudo, conforme Quadro 1. As variáveis independentes estão descritas da tabela 1. Foi considerado que o paciente apresentava histórico de procedimento de revascularização se já houvesse sido submetido à intervenção coronária percutânea ou revascularização cirúrgica. Os pacientes foram considerados dislipidêmicos quando usavam medicamentos como estatinas, resinas, ezetimibe ou fibratos, que são considerados pela V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (2013) como tratamentos de escolha para dislipidemias, 17 além disso foram considerados hipertensos quando em prontuário constava essa informação e por usarem medicamentos da classe dos anti-hipertensivos, conforme descritos na 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2016). 18 Para o Índice de Massa Corporal (IMC), considerou‑se com peso normal o paciente que apresentava IMC de 18,5- 24,9 Kg/m 2 . 19 Quanto ao risco intrínseco da cirurgia de complicações cardíacas, foi adotado como referência a 3ª Diretriz de Avaliação Cardiovascular Perioperatória da SBC 20 . As análises univariadas foram realizadas utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher, na presença de pelo menos uma frequência esperada igual ou inferior a cinco. Todas as variáveis foram incluídas no modelo multivariado que, por sua vez, foi realizado mediante regressão logística. A análise multivariada se baseou no valor de odds ratio (OR) e seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC 95% ), estimados por regressão logística. Um nível de significância estatística de 5% foi o critério adotado para identificar características independentemente associadas 597

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