ABC | Volume 111, Nº4, Outubro 2018

Minieditorial Indicar ou Não Indicar? Os Desafios da Fisiologia nas Síndromes Coronarianas Agudas To Defer or Not Defer? The Challenges of Physiology in Acute Coronary Syndromes Carlos M. Campos 1,2 e Pedro A. Lemos 1,2 Hospital Israelita Albert Einstein, 1 São Paulo, SP - Brasil Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2 São Paulo, SP - Brasil Correspondência: Pedro A. Lemos • Hospital Israelita Albert Einstein - Av. Albert Einstein, 627. CEP 05652-900, São Paulo, SP- Brasil E-mail: pedro.lemos@einstein.br Palavras-chave Síndrome Coronariana Aguda/fisiopatologia; Intervenção Coronária Percutânea; Reserva de Fluxo Fracionada do Miocárdio; Angina Estável; Revascularização Miocárdica DOI: 10.5935/abc.20180206 A angiografia convencional pode estimar, de maneira não confiável, a gravidade funcional das lesões coronarianas, particularmente das estenoses intermediárias. 1 É nesse contexto que o estudo da fisiologia intracoronariana, ou seja, a medida da reserva de fluxo fracional (FFR), foi desenvolvida: para diferenciar com precisão as estenoses que causam isquemia miocárdica daquelas que não são significativamente obstrutivas. Em geral, a FFR tem sido aplicada como uma ferramenta de tomada de decisão, ajudando a indicar (ou não indicar) a revascularização em estenoses coronárias intermediárias ou ambíguas. 2 Comparada com a angiografia isolada, a adição de informações derivadas da FFR melhorou os desfechos e a custo-eficiência do procedimento, sendo a revascularização coronariana guiada por fisiologia atualmente recomendada nas diretrizes de prática clínica, com base em ampla evidência científica. 3 Quase vinte anos atrás, o ensaio DEFER fundamental consolidouo conceitodeque a não-indicaçãoda revascularização baseado na FFR é seguro. 4 Entretanto, inúmeras razões tornam a tradução do estudoDEFER para a prática clínica contemporânea desatualizada: i) o ponto de corte excessivamente restritivo de 0,75 (como usado no estudo) foi suplantado pelo limiar mais permissivo de 0,80, ii) a angioplastia com balão como a terapia isolada foi amplamente substituída por stents farmacológicos, iii) agentes antiplaquetáriosmais potentes e outras terapias clínicas tornaram-se disponíveis, e iv) a relação entre a FFR e o perfil obstrutivo da lesão coronariana ainda está sendo questionada por alguns autores. 5 Assim, a segurança contemporânea de adiar lesões na angina pectoris estável (APE) e síndrome coronariana aguda (SCA) com base na FFR ainda merece investigação. Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Martins et al., 6 investigaramos riscos relativos de adiar lesões empacientes com APE e SCA. Os autores utilizaram uma metanálise de 1 estudo prospectivo e 6 estudos observacionais para comparar as taxas de eventos entre esses dois grupos de apresentações clínicas (n = 5107). Não houve diferença para a mortalidade por todas as causas (risco relativo (RR) = 1,44; IC 95% 0,9-2,4), mortalidade cardiovascular (RR = 1,29, IC 95% = 0,4-4,3) e revascularização do vaso-alvo (RR = 1,46, IC 95% = 0,9-2,3) para revascularização baseada em FFR em pacientes com SCA e APE. No entanto, houve um risco maior de infarto do miocárdio (RR=1,83, IC 95% = 1,4-2,4) ao não tratamento de lesões sem significado funcional em pacientes com SCA. Por definição, qualquer metanálise serve de amálgama de dados composta por trabalhos previamente realizados. Metanálises, portanto, podem tornar-se desatualizadas e precisam ser reprocessadas à medida que novos dados são divulgados na literatura. Recentemente, Escaned et al., 7 avaliaram a segurança do adiamento da revascularização coronariana com base na avaliação funcional invasiva (razão instantânea livre de ondas [IFI] e FFR. 7 A segurança do adiamento da revascularização coronariana na população agrupada por protocolo (n = 4.486) dos estudos clínicos randomizados DEFINE -FLAIR (Avaliação de Lesão Funcional de Estenose Intermediária para Orientar a Revascularização) e iFR-SWEDEHEART (Relação Livre de Onda Instantânea versus Reserva de Fluxo Fracional em Pacientes com Angina Pectoris Estável ou Síndrome Coronariana Aguda) foi investigada. Infelizmente, este estudo não foi incluído na metanálise de Martins et al. 6 . Escaned et al., 7 demonstraram que, em geral, o adiamento da revascularização é igualmente seguro tanto com iFR quanto com FFF, com uma baixa taxa de MACE de cerca de 4%. A apresentação clínica com SCA foi associada a uma taxa MACE (MACE = eventos cardíacos adversos maiores, definida como o composto de morte por todas as causas, infarto do miocárdio não fatal ou revascularização não planejada em 1 ano) comparada à APE em pacientes com adiamento (5,91% vs. 3,64% em ACS e APE, respectivamente; razão de risco totalmente ajustada: 0,61 a favor de APE; IC 95%: 0,38 a 0,99; p = 0,04). O maior risco para o adiamento da estenose baseada na fisiologia em pacientes com SCA pode refletir as diferentes condições fisiológicas daqueles com APE. A vasodilatação microcirculatória durante a hiperemia pode ser transitoriamente afetada na fase aguda da SCA, também em territórios distantes das lesões culpadas. 8 Outro fator relacionado com essa maior prevalência de eventos na SCA pode ser a inflamação coronariana generalizada nesses pacientes. 9 Buffon et al., 9 demonstraram uma depleção do conteúdo de mieloperoxidase de neutrófilos no sangue da grande veia cardíaca e femoral em pacientes com SCA, independentemente do local da estenose. 9 Isso não estava presente em pacientes com angina estável e estenose múltipla, pacientes com angina variante e isquemia recorrente ou controles. O teor de mieloperoxidase é um índice de ativação inflamatória avançada e sua depleção em 551

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