ABC | Volume 111, Nº3, Setembro 2018

Diretrizes Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda Arq Bras Cardiol. 2018; 111(3):436-539 até 81% em uma população ambulatorial, incluindo aqueles com e sem disfunção ventricular. 437 Vários processos, de uma complexa cadeia de eventos, são compartilhados entre os mecanismos fisiopatológicos da IC e dos distúrbios do sono, podendo promover potencialização de eventos e progressão da doença. Ativação simpática e aumento do perfil inflamatório, associados a uma cascata de estresse oxidativo e disfunção endotelial, são parte dos eventos compartilhados pelas duas situações patológicas. 438,439 Os distúrbios do sono podem ser divididos em obstrutivo, central ou misto. A apneia obstrutiva parece ser muito prevalente entre os pacientes com IC, principalmente na classe funcional I/II, uma vez que, nos pacientes com IC avançada, a prevalência da apneia central aumenta. 440 A determinação correta do diagnóstico entre alterações obstrutivas ou de origem central é fundamental, visto seu impacto no tratamento. Para este diagnóstico, a polissonografia se mostra o exame de escolha. A graduação também se mostra importante, sendo considerado o índice de apneia/ hipopneia (IAH) entre 5 a 15 um distúrbio discreto; de 15 a 30, moderado; e acima de 30, grave. 441,442 O uso de dispositivos para o tratamento de apneia de origem central em pacientes com IC comdisfunção sistólica, entretanto, está contraindicado, pois se associou com aumento do risco de morte em grande ensaio clínico recente. 443 Embora estudos pequenos sugiram que o uso de estratégias que utilizam pressão positiva contínua nas via aérea (CPAP e variações) possam ter impacto na qualidade de vida de pacientes com distúrbios ventilatórios obstrutivos, inclusive na IC, 444 grande ensaio clínico recente não demonstrou benefícios sobre desfechos cardiovasculares duros. 445 Especialistas sugerem que o benefício possa depender de uso prolongado durante a noite (> 4 horas). 446 11.14. Câncer A prevalência concomitante de fatores de risco de câncer e doença cardiovascular, o envelhecimento da população e a maior sobrevida alcançada em ambas as entidades têm contribuído para a maior frequência de pacientes com disfunção ventricular causada ou agravada pelo câncer ou por seu tratamento, bem como para a alta incidência de casos novos de neoplasias em pacientes com IC. 447 Recomendam-se identificar fatores de risco e comorbidades previamente ao tratamento do câncer. Toda e qualquer agressão prévia ao miocárdio deve ser considerada potencial risco para o desenvolvimento de “miocardiotoxicidade”. 448 Pacientes com IC têm risco aumentado de câncer e, quando o apresentam, têm prognóstico pior, se comparados aos pacientes com função ventricular normal. 449 A disfunção ventricular secundária à quimioterapia foi inicialmente descrita como secundária aos fármacos antracíclicos, como a doxorrubicina. Entretanto estendem-se às mais diversas classes farmacológicas, como os agentes alquilantes (ciclofosfamida), os anticorpos monoclonais (trastuzumabe), os inibidores da tirosinaquinase (sunitinibe, sorafenibe e dasatinibe), os inibidores de proteasoma (bortezomibe), os agentes antimicrotúbulos e os antimetabólitos, entre outros. O problema ganha magnitude, uma vez que os esquemas de quimioterapia combinam fármacos com potencial cardiotóxico, de modo concomitante ou sequencial, somado a outros fármacos não antineoplásicos, mas com potencial para agravar a IC, como os glicocorticoides e os anti-inflamatórios não hormonais. 450 Técnicas mais antigas de radioterapia sobre o tórax levavam à cardiopatia isquêmica com disfunção diastólica e sistólica, em média a partir do quinto ano após a exposição. 451 O risco de disfunção ventricular se potencializa quando a quimioterapia e a radioterapia são associadas. Outros mecanismos, como a caquexia cardíaca, frequentemente presente no paciente com câncer, podem contribuir para a disfunção ventricular. 452 A prevenção rotineira da lesão miocárdica previamente à quimioterapia com IECA ou BB tem sido investigada em trabalhos recentes. O estudo PRADA testou o uso do candesartana e succinato de metoprolol na prevenção primária da cardiotoxicidade por antraciclina, associado ou não a trastuzumabe. Este estudo demonstrou que o uso do candesartana forneceu proteção contra a redução da função ventricular esquerda, o que não foi evidenciado com o uso do metoprolol. 453 O estudo CECCY testou o uso do carvedilol em cenário semelhante, mas excluiu pacientes em uso de trastuzumabe e não demonstrou efeito protetor sobre a função ventricular. Observou-se, entretanto, potencial efeito benéfico na redução da lesão miocárdica, uma vez que o uso de carvedilol associou-se a menores níveis de troponina, menor incidência de disfunção diastólica primária e tendência à redução no remodelamento ventricular. 454 O uso de dexrazoxano para prevenção primária está restrito a subgrupos específicos, nos quais há alto risco de “miocardiotoxicidade”. 455 O uso de biomarcadores, como os peptídeos natriuréticos tipo B ou a troponina de alta sensibilidade, funciona como indicador de lesão miocárdica ou disfunção inicial, mas não há evidências, até o momento, que embasem a mudança de decisões clínicas exclusivamente sob seus resultados. 455 Os diversos métodos de imagem têm limitações e indicações especificas no monitoramento da disfunção ventricular dos pacientes em tratamento para câncer. Independentemente do método, uma avaliação pré-tratamento é recomendada aos pacientes de elevado risco, para que se tenham parâmetros basais de comparação. A ecocardiografia bidimensional é a mais disponível, passível de repetição seriada sem irradiação, no entanto sua variabilidade limita a acurácia. O uso de mensurações bidimensionais, como a medida da fração de ejeção pela técnica de Simpson biplanar, minimiza tais variações. O ecocardiograma tridimensional tem melhor desempenho que o bidimensional, mas apresenta menor disponibilidade. O uso de avaliação de deformação miocárdica, como a mensuração do strain longitudinal global, ganha em precocidade da detecção de disfunção subclínica, porém ainda carece de validação em estudos prospectivos de intervenção. A ventriculografia radioisotópica tem reprodutibilidade superior à ecocardiografia, no entanto sua repetição sequencial acarretaria radiação ionizante. A RMC auxilia nos casos em que há dúvida quanto à etiologia da miocardiopatia. A presença de IC ou grave disfunção ventricular aponta para a interrupção, mesmo que temporária, do esquema quimioterápico. Esta decisão deve ser partilhada com o oncologista. 456-461 471

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