ABC | Volume 111, Nº2, Agosto 2018

Artigo Original Duarte et al Impacto do ferro na Síndrome Coronária Aguda Arq Bras Cardiol. 2018; 111(2):144-150 Introdução O ferro é um micronutriente importante no metabolismo celular, necessário para homeostase corporal. 1 A deficiência de ferro atinge mais de um 1/3 da população mundial, sendo frequente como complicação de uma doença crónica (Doença inflamatória do intestino, Doença renal crónica, Doença de Parkinson, Artrite reumatoide) e apresenta um papel na ativação do sistema nervoso simpático, bem como na hipertrofia e dilatação ventricular. 1 De acordo com o estudo EMPIRE, 1 em cada 3 portugueses tem défice de ferro. 2 O défice de ferro é um importante fator de co-morbilidade na insuficiência cardíaca (IC) crónica, bem como nos períodos de descompensação da IC, independentemente da presença de anemia. 1,3 O estudo CONFIRM-HF demonstrou um efeito favorável na capacidade funcional e qualidade de vida de doentes com IC, bem como, na redução do número de internamentos por IC descompensada, nos doentes submetidos à terapêutica com ferro endovenoso. 1,3,4 Por sua vez, o debate entre o papel da ferritina e do ferro no metabolismo da aterosclerose persiste, não sendo clara a função do metabolismo do ferro na doença coronária. Apesar de pequenos, existem estudos que consideram o ferro como sendo proaterogénico pelo seu papel na formação de radicais livres, com consequente stress oxidativo ao nível vascular. 5,6 Estudos em animais têm confirmado que a administração crónica de ferro acelera a formação de trombos. 6 Por outro lado, níveis baixos de ferro podem estar associados a isquémia e a eventos cardiovasculares major (MACE) em doentes com Síndrome coronária aguda. 5 Um estudo recente, Steen et al, falhou no estabelecimento de qualquer relação entre o ferro e o risco de enfarte do miocárdio, bem como, eventos isquémicos recorrentes. 7 A ferritina é considerada por alguns estudos como citoprotectora, contudo análises multivariáveis mostram que níveis baixos de ferritina são preditores de MACE a 30 dias em doentes com SCA. 5,8 Apesar dos vários estudos, a controvérsia do papel do ferro na SCA persiste, não se conhecendo até à data a verdadeira correlação entre o ferro e a doença aterosclerótica. No presente estudo pretendemos determinar o valor prognóstico a curto e a longo prazo dos níveis séricos de ferro e ferritina em doentes admitidos por SCA. Métodos Amostra A amostra foi avaliada retrospetivamente, sendo constituída por doentes consecutivos admitidos numa Unidade Coronária com o diagnóstico de SCA entre Junho de 2011 e Junho de 2013. Foram excluídos doentes cujo perfil de ferro não foi determinado durante o internamento. Variáveis A população foi caracterizada de acordo com as suas características basais (idade e sexo); clínicas (antecedentes pessoais; tipo de SCA; Classe de Killip; Fração de ejeção do VE) e laboratoriais (níveis séricos de Creatinina, BNP, Hemoglobina), sendo agrupada segundo os tercis de distribuição de ferro sérico (1º tercil ≤ 40; 2º tercil > 40 e ≤ 67; 3º tercil> 67 mcg/dl) e de ferritina (1º tercil ≤ 110; 2º tercil <110 e ≤ 219; 3º tercil> 219 ng/ml). Os cut-offs do ferro sérico e da ferritina sérica respetivamente, 60-180 mcg/dl e 10-120 ng/ml, de acordo com o laboratório do centro hospitalar. End-point Os prognósticos a curto e a longo prazo foram avaliados partir de eventos adversos primários: Morte intrahospitalar e Morte a 1 ano; Insuficiência cardíaca intrahospitalar (Classe de Killip ≥ 2 e BNP ≥ 400 pg/ml) e no follow-up de 1 ano (fração de ejeção < 50% e Classe de NYHA ≥ 2). Outros end‑points secundários – Reenfarte e Acidente isquémico vascular no follow-up de 1 ano. Análise estatística Para realizar a análise estatística utilizou-se o programa IBM SPSS Statistics versão 20 para Windows 8. As variáveis contínuas foram expressas em valor médio ± desvio padrão e comparadas de acordo com os tercis de ferro e ferritina através do Teste ANOVA. As variáveis categóricas foram expressas em valor absoluto e/ou percentagem e comparadas com o teste qui-quadrado. As associações foram consideradas estatisticamente significativas na presença de p-value < 0,05. As variáveis contínuas através de curvas de ROC foram associadas aos eventos adversos primários (Morte e IC). O valor preditor dos níveis de ferro e ferritina sobre o risco de eventos adversos intra-hospitalares e a um ano foi determinado pelo Odds-ratio, com intervalo de confiança de 95%. Resultados As características basais, clínicas e laboratoriais da população total e de acordo com os tercis de ferro sérico e ferritina são apresentadas nas tabelas 1 e 2. Estudaram-se 280 doentes (73% do sexo masculino) com idade média 68 ± 13 anos. A distribuição dos níveis séricos do ferro e da ferritina encontra‑se representada na figura 1. O diagnóstico principal de admissão foi em 45% (n = 125) dos doentes EAM com SupraST e em 44% (n = 122) EAM sem SupraST. Cerca de 87% dos doentes (n = 244) apresentaram-se à admissão em Classe de Killip I, sendo que apenas 2,5% (n = 7) foram admitidos em choque cardiogénico. Em 11 (5%) doentes, o ecocardiograma transtorácico evidenciou disfunção sistólica grave do ventrículo esquerdo. Em termos de prognóstico a curto prazo: 1,1% (n = 3) dos doentes faleceu durante o internamento e 28% (n = 79) apresentou evidência de insuficiência cardíaca. Em relação ao impacto a longo prazo, sensivelmente 7% (n = 19) dos doentes faleceu no 1º ano de follow-up e 12% (n = 33) desenvolveram critérios de IC no decorrer do seguimento clínico (Tabelas 3 e 4). A análise de regressão multivariada evidenciou que um valor de ferritina superior a 316 ng/ml é preditor de risco independente para morte a 1 ano (OR ajustado de 14 IC 95% 2,6-75,9; p = 0,0023). (Tabela 5) 145

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=