ABC | Volume 111, Nº2, Agosto 2018

Editorial Microcirculação e Doença Cardiovascular Microcirculation and Cardiovascular Diseases Eduardo Tibiriçá, 1,2 Andrea De Lorenzo, 1,2 Gláucia Maria Moraes de Oliveira 1 Programa de Pós-Graduação em Cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1 Rio de Janeiro, RJ - Brasil Mestrado profissional em Ciências Cardiovasculares do Instituto Nacional de Cardiologia, 2 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Correspondência: Gláucia Maria Moraes de Oliveira • Universidade Federal do Rio de Janeiro – R. Prof. Rodolpho P. Rocco, 255 – Prédio do HU 8º andar – sala 6, UFRJ. CEP 21941-913, Cidade Universitária, RJ – Brasil E-mail: glauciam@cardiol.br , glauciamoraesoliveira@gmail.com Artigo recebido em 17/07/2018, revisado em 01/08/2018, aceito em 02/08/2018 Palavras-chave Microcirculação/fisiologia; Humanos; Doenças Cardiovasculares/fisiopatologia; Endotélio Vascular/fisiologia; Vasodilatação/fisiologia; Fatores deRisco;Diagnósticopor Imagem. DOI: 10.5935/abc.20180149 A microcirculação humana apresenta aspectos que a tornam única em relação à sua capacidade de ajustar a oferta de oxigênio e nutrientes às demandas metabólicas de todas as células do organismo, promovendo ajustes no tônus vascular e a liberação de diferentes substâncias vasoativas. 1 A resposta vasodilatadora dependente do endotélio de seres humanos varia de acordo com a idade, gênero, leito vascular envolvido, e presença de doença aterosclerótica. As células musculares lisas vasculares sofremhiperpolarização e relaxamento diferenciados quando expostas ao óxido nítrico (ON), prostaciclina e fatores hiperpolarizantes derivados do endotélio (FHDE), entre outros, sob influência dos fatores descritos acima. 2 Na última década, a importância da avaliação da função microvascular tornou-se evidente na investigação da fisiopatologia das doenças cardiovasculares e na estratificação do risco cardiovascular. 3 Neste contexto, a microcirculação cutânea tem sido considerada como um leito vascular acessível e representativo na avaliação da reatividade microvascular sistêmica. 4 De fato, existem evidências demonstrando a existência de uma associação entre a reatividade microvascular cutânea e a função microcirculatória em diferentes leitos vasculares, tanto com relação aos mecanismos subjacentes quanto na intensidade da resposta vasodilatadora dependente de endotélio. 4 Portanto, a avaliação da reatividademicrovascular cutânea tem sido proposta como ummarcador de prognóstico em doenças crônicas, assim como da ação de medicamentos na função endotelial microvascular. 5 A avaliação da microcirculação em humanos foi inicialmente realizada com técnicas invasivas como a angiocoronariografia; porém, comaevoluçãodas técnicas de imagens, tornou‑sepossível o diagnóstico não-invasivo das anormalidades microcirculatórias nas doenças cardiovasculares. Nesse sentido, têm-se empregado desde técnicas de ultrassonografia, como o ecocardiograma de estresse, passando pela cintilografia miocárdica de perfusão (sendo, ambos, métodos que não avaliam diretamente o fluxo sanguíneo miocárdico, mas que são empregados para detectar isquemia, considerada, na ausência de doença coronariana obstrutiva epicárdica, uma evidência de doença microvascular), até técnicas mais dispendiosas como a tomografia por emissão de pósitrons (PET). Oreconhecimento da importância prognóstica da disfunçãomicrovascular coronariana impulsionou os estudos a ela relacionados, embora não seja possível, até o presentemomento, a visualização direta de suas anormalidades estruturais; estas são passíveis de avaliação somente através do fluxo miocárdico ou da reserva de fluxo coronariano (RFC). 6 A RFC, ou a relação entre o fluxo sanguíneo miocárdico em hiperemia, no pico do estresse, e o fluxo sanguíneo miocárdico em repouso, 7 avalia toda a hemodinâmica da circulação coronariana, desde as artérias epicárdicas até a microcirculação, integrando função endotelial e do músculo liso vascular. 7 Uma RFC reduzida já demonstrou ser preditora independente de mortalidade, inclusive em pacientes com coronárias epicárdicas normais. 8 A RFC pode ser avaliada por PET, 9 mas, devido à disponibilidade limitada do método, sua avaliação tornou-se possível, recentemente, através da cintilografia miocárdica (SPECT) em gama-câmaras de estado sólido, como as de telureto-cádmio-zinco (CZT), de maior sensibilidade e melhores resoluções temporal e espacial. 10 Conforme mencionado anteriormente, a avaliação da função microcirculatória sistêmica pode ser realizada através de técnicas que medem o fluxo microvascular na pele, de maneira não invasiva. Na clínica médica, as principais metodologias utilizadas atualmente são baseadas na utilização de luz laser, incluindo as técnicas de laser Doppler e o laser speckle com contraste de imagens (LSCI). 11 Essas técnicas são usualmente associadas com estímulos fisiológicos ou farmacológicos que permitem a avaliação da reatividade microvascular dependente ou independente do endotélio. 12 Oestímulo fisiológico costuma ser a hiperemia reativa pós-oclusiva do antebraço, induzindo uma resposta vasodilatadora dependente do endotélio. Os estímulos farmacológicos mais utilizados são a infusão cutânea, através de micro-iontoforese, de acetilcolina (vasodilatação dependente de endotélio) ou de nitroprussiato de sódio (vasodilatação independente de endotélio). 12 Neste contexto, realizamos recentemente um estudo com a técnica de LSCI, no qual demonstramos que a resposta vasodilatadora dependente de endotélio da microcirculação cutânea está reduzida em pacientes com doença arterial coronariana de início precoce, em comparação com indivíduos saudáveis. 12 Além disso, a resposta microvascular relacionada com a dilatação do músculo liso vascular também se encontrava reduzida nesses pacientes, em paralelo a aumentos significativos da espessura médio-intimal das artérias carótidas. 12 Em outro estudo, demonstramos que a função endotelial microvascular sistêmica está comprometida de maneira semelhante em pacientes com cardiopatia isquêmica ou com a cardiopatia crônica da doença de Chagas. 13 120

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