ABC | Volume 111, Nº1, Julho 2018

Minieditorial Carga Econômica das Doenças Cardiovasculares no Brasil: A Telemedicina ou o Contato Telefônico Estruturado são a Solução? Economic Burden of Cardiovascular Diseases in Brazil: Are Telemedicine and Structured Telephone Support the Solution? Suzana Alves da Silva, 1 Pedro Paulo Magalhães Chrispim, 2 Yang Ting Ju, 1 Ary Ribeiro 3 Departamento de Epidemiologia do Hospital do Coração/Hcor, 1 São Paulo, SP - Brasil Laboratório de Implementação do Conhecimento em Saúde do Hospital do Coração/Hcor, 2 São Paulo, SP - Brasil Superintendência Comercial e de Serviços Ambulatoriais do Hospital do Coração/Hcor, 3 São Paulo, SP - Brasil Minieditorial referente ao artigo: Os Custos das Doenças Cardíacas no Brasil Correspondência: Suzana Alves da Silva • Rua Abrão Dib 4. Departamento de Epidemiologia. CEP 04004-060, Paraíso, SP - Brasil Email: susilva@hcor.com.br Palavras-chave Doenças Cardiovasculares; Políticas de Saúde; Custo- Efetividade; Gestão da Qualidade; Telemedicina/tendências; Telefone/tendências. DOI: 10.5935/abc.20180136 O estudo de Stevens et al., 1 resulta de umprojeto da Delloite Consultoria financiado pela Novartis com o objetivo de estimar a carga econômica que insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio, fibrilação atrial e hipertensão arterial sistêmica (HAS) impõem aos países da América Latina e apresentar os resultados de custo-efetividade da telemedicina e do contato telefônico estruturado como intervenções com potencial de amenizá‑la. 1 Seu foco nesta publicação é apresentar os resultados da avaliação considerando o cenário brasileiro. Este estudo nos oferece a oportunidade de refletir sobre importantes questões relacionadas à qualidade, interpretação e aplicabilidade de estudos econômicos. Tais estudos têm ganhado cada vez mais relevância na incorporação/ desincorporação de tecnologias, desenvolvimento de políticas de saúde e de programas de melhoria de qualidade assistencial. Além disso, são frequentemente utilizados em outros países como base de processos decisórios, embora isso ainda não seja uma rotina no Brasil. 2 Várias diretrizes foram propostas nas últimas décadas a fim de aumentar a qualidade das publicações de estudos de avaliação econômica e a sua utilidade para o sistema de saúde. O Consolidated Health Economic Evaluation Reporting Standards (CHEERS) 3 é uma coletânea dessas recomendações, recentemente atualizadas e publicadas no JAMA, 2 as quais foram seguidas por Steven et al. apenas em parte. As medidas utilizadas, por exemplo, foram retiradas de fontes não claramente relatadas pelos autores, que parecem ter desconsiderado outras comorbidades relacionadas, além da interposição das quatro condições em questão, tais como acidente vascular cerebral e insuficiência renal crônica, e a presença ou não de outras condições relevantes, tais como diabetes, apontada pelo NHS como uma das dez principais causas de disabilidade permanente e elevado consumo dos recursos da saúde na atualidade. 4 Os níveis de gravidade e a heterogeneidade entre as regiões geográficas do país também parecem ter sido desconsiderados. A incidência de sequelas e a taxa de progressão dessas condições resultando em morbidade, óbitos e perda de qualidade de vida variam de acordo com a intensidade do tratamento ofertado e, portanto, diferem de região para região. 5-7 Os resultados reportados do estudo na Venezuela 8 e no México 9 não foram citados ou discutidos pelos autores, apesar de as medidas de custo-utilidade obtidas serem idênticas ou muito próximas nos três países, sugerindo que, pelo menos em parte, os dados utilizados foram comuns às três avaliações. O custeio com atenção primária parece ter sido inferido dos dados com despesas hospitalares, partindo-se da premissa de que os custos seriam iguais. Entretanto, em pelo menos uma revisão sistemática sobre a carga econômica da insuficiência cardíaca, as despesas hospitalares foram pelo menos três vezes maiores que as despesas ambulatoriais, incluindo os custos com procedimentos, exames e medicamentos. 10 As estimativas de prevalência também parecem pouco acuradas. Segundo Picon et al., 11 a prevalência de HAS vem diminuindo cerca de 3,7% a cada década no Brasil. Na década de 90, a prevalência de HAS foi estimada em32,9%, enquanto que de 2000 a 2010, ela foi estimada em 28,7%, o que resultaria em uma prevalência esperada entre 2010 e 2020 menor do que aquela observada nas décadas anteriores. Os autores partiramde uma prevalência de 31,2% semexplicitar exatamente qual foi a fonte utilizada para tal informação. Na análise de custo-efetividade, as intervenções não foram claramente definidas, havendo, inclusive, discordância entre aquilo que o estudo afirma avaliar (“telemedicina”) e a tecnologia estudada pelo relatório do NHS na qual os autores dizem se basear (“telemonitoramento”). 12 Especialmente para os estudos de custo-efetividade, dependendo da intervenção avaliada, os resultados podem variar diametralmente, mudando completamente as recomendações. Além disso, os custos com sistema de saúde atribuíveis a essas quatro condições somaram 35 bilhões de reais em 2015, segundo os autores, o que representaria 1/3 do total do orçamento aprovado para a saúde pelo Congresso Nacional nesse mesmo ano, 13 sugerindo que as estimativas apresentadas estão superestimadas. 37

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