ABC | Volume 111, Nº1, Julho 2018

Artigo Original Stevens et al Os custos das doenças cardíacas no Brasil Arq Bras Cardiol. 2018; 111(1):29-36 Introdução As doenças cardíacas impõem limitações à qualidade de vida relacionadas a aspectos físicos, sociais, financeiros e de saúde dos indivíduos. Tais doenças resultam em um custo e um impacto na sociedade devidos às despesas com tratamento de saúde, perda de produtividade no emprego, custos do fornecimento de assistência formal e informal e perda de bem-estar. Atualmente as doenças circulatórias constituem o maior ônus para a saúde no mundo, sendo responsáveis por mais de 17 milhões de mortes a cada ano, o que representa metade de todas as mortes por doença não transmissível. 1 No Congresso Mundial de Cardiologia e Saúde Cardiovascular de 2016, a Declaração do México para Saúde Circulatória foi assinada pelas principais organizações globais comprometidas emmelhorar a saúde circulatória e em reduzir as mortes e a incapacidade por doenças cardíacas e acidente vascular encefálico no mundo. Tal iniciativa acha-se alinhada com o objetivo claro estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos países signatários para reduzir as mortes por doenças não transmissíveis em 25% até 2025. 1 Nossa análise identifica a carga atual das doenças cardíacas no Brasil e, consequentemente, os potenciais benefícios econômicos que resultariam da sua abordagem. Este estudo visa avaliar o impacto econômico (sistema de saúde e produtividade) de quatro doenças cardíacas no Brasil, a partir de estimativas do custo anual para 2015: hipertensão (HTN), infarto do miocárdio (IM), fibrilação atrial (FA) e insuficiência cardíaca (IC). Além disso, analisa a relação de custo-efetividade de duas intervenções para IC: telemedicina (TM) e suporte telefônico estruturado (STE). Método Esta pesquisa é parte de um estudo maior da América Latina, com identificação de resultados específicos para alguns países, como México, Chile, Peru, Venezuela, Colômbia, Equador, Panamá e El Salvador. Os resultados do Brasil foram apresentados no Congresso Europeu ISPOR em Viena em novembro de 2016 e no Congresso Cardiovascular Mundial em junho de 2016. Custo da doença A análise baseou-se em estimar prevalência, incidência, perda de bem-estar, custos do sistema de saúde e perda de produtividade atribuídos às quatro doenças cardíacas. As estimativas de custo total foram ajustadas com base na comorbidade das condições. Subjacente ao estudo, houve uma pesquisa na literatura com termos de busca associados com país, região, epidemiologia e impacto econômico das quatro doenças cardíacas. As fontes incluíram PubMed, websites do governo, do sistema de saúde e de organizações de pacientes, assim como engenhos de busca da Internet em geral. Prevalência/incidência das doenças A Tabela 1 apresenta as fontes usadas para estimar a prevalência ou incidência das condições. Sempre que possível, utilizaram-se taxas específicas do Brasil. Todas as estimativas foram checadas com as partes interessadas entrevistadas para o projeto. As taxas identificadas foram aplicadas às projeções dos Prospectos sobre População Mundial das Nações Unidas. 2 Perda de bem-estar Os pesos da incapacidade tiveram por base os estudos sobre Carga Global de Doença da OMS 3,4 (Tabela 2). Foram então multiplicados pelas estimativas de prevalência para que se identificassemos anos perdidos em virtude de incapacidade em 2015. Os anos de vida perdidos forambaseados na mortalidade relatada para cada condição. Custos do sistema de saúde As altas e a permanência média de cada uma das quatro condições 5 foram combinadas às estimativas de custo para cada uma delas 5 para estimar seu peso individual no sistema de saúde como parte de todas as doenças tratadas. Isso foi então combinado com uma estimativa do total relevante de gasto com saúde no Brasil 6 para resultar no custo de tratamento de cada uma das quatro condições. Os custos de saúde foram estimados a partir da perspectiva dos pagadores da assistência à saúde, tanto públicos quanto privados. A decomposição dos custos teve por base aqueles relatados para o Brasil. 7 Este método reflete mais adequadamente os impactos com base no número, na permanência e na intensidade do custo de cada condição especificamente para o Brasil. Entretanto, dados sobre as despesas de saúde específicas de cada condição não estão disponíveis para outros componentes do sistema de saúde (e.g., cuidado primário). Assim, admitiu-se que a parte de cada condição na despesa total do sistema de saúde fosse a mesma que a sua cota no total da despesa hospitalar. Perda de produtividade Consistente com o critério de ‘emprego pleno ou quase pleno’, a adotou-se uma abordagem de capital humano para estimar as perdas de produtividade. Cálculos envolvendo perda de produtividade foram baseados em taxas de emprego por faixa etária e sexo. Admitiu-se que portadores de doenças cardíacas, na ausência da condição, apresentavam a mesma probabilidade de estarem empregados que os outros de mesmo sexo e faixa etária. A renda salarial não recebida foi baseada em dados salariais para o Brasil. 7 Absenteísmo associou-se com todas as condições. Para IC, foi estimado em 12,66 dias por ano para aqueles com IC NYHA III/IV, e em 3,04 dias por ano para aqueles com IC NYHA I/II. 8 O absenteísmo foi estimado em 3,03 dias por ano 9 para HTN, 75 dias por ano para pacientes hospitalizados 9 com IM, e 2,1 dias por ano 10 para FA. Identificou-se redução de participação no emprego, com indivíduos impossibilitados de continuar empregados devido à sua condição, para IC e IM, mas não para FA ou HTN. A taxa de participação no emprego para IC foi 13% mais baixa (tendo por base indivíduos com doença arterial coronariana). 11 Além disso, o estudo mostrou aumento da saída de indivíduos desempregados da força de trabalho, em especial aqueles com menos de 60 anos e aqueles engajados em trabalho manual. Quanto ao IM, a participação no emprego foi 21% mais baixa, tendo por base indivíduos com síndrome coronariana aguda (SCA) cinco anos após um evento. 12 Como as taxas de participação no emprego mais baixas tanto a A Organização Internacional do Trabalho (ILO) reporta uma taxa de desemprego para o Brasil de 6,8% em 2014 (o ano mais recente relatado). 30

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