ABC | Volume 111, Nº1, Julho 2018

Artigo Original Martins et al Regurgitação aórtica após cirurgia de Jatene Arq Bras Cardiol. 2018; 111(1):21-28 Introdução Historicamente, a transposição das grandes artérias (TGA) é conhecida há quase 300 anos. 1 Em 1797, Matthew Baille descreveu uma condição na qual a aorta originava-se do ventrículo direito (VD) e a artéria pulmonar saía do ventrículo esquerdo (VE). 2 Em 1814, Farré utilizou o termo “ transposição” para caracterizar a malformação descrita por Baillie. A história da correção cirúrgica da TGA inicia-se na década de 50 com os procedimentos paliativos e posteriormente com as técnicas de correção atrial (Mustard/Senning). 3 O tratamento cirúrgico da TGA foi definitivamente modificado com a publicação da técnica de correção anatômica pelo Dr. Adib Jatene 4 em 1976, o que mudou, de forma definitiva, a evolução dos pacientes. Portanto, ao longo dos anos, a cirurgia de Jatene ficou consagrada como o procedimento de escolha com correções fisiológica e anatômica completas. Sua supremacia foi corroborada por resultados a longo prazo que mostram a preservação da boa função ventricular esquerda 5 e do ritmo sinusal e proporcionam uma baixa mortalidade, com uma taxa de sobrevida superior a 88% no acompanhamento de 10 e 15 anos. 6 As complicações observadas no pós-operatório imediato são infrequentes e estão relacionadas principalmente à condição pré-operatória do paciente, ao tempo prolongado de circulação extracorpórea e à obstrução da artéria coronária, com consequente isquemia do miocárdio. Apesar da excelente evolução clínica da grande maioria dos pacientes a médio e longo prazo, 5 o índice de reoperações tardias ainda é significativo após a cirurgia de Jatene. As obstruções da via de saída do VD, as obstruções coronarianas e a dilatação progressiva da neo-aorta associada a insuficiência aórtica são os principais motivos de reintervenção. Embora, com as modificações técnicas, tenhamos observado uma redução importante nas reintervenções da via de saída do VD 7 e das obstruções coronarianas, 8 a evolução tardia progressiva da dilatação da neo-aorta a da insuficiência da valva neo-aórtica constituem fatores de grande preocupação. O objetivo deste estudo foi investigar os possíveis fatores que poderiam contribuir para a progressão da regurgitação da valva neo-aórtica através de uma revisão retrospectiva de um grupo de pacientes operados em uma única instituição. Métodos No período de outubro de 1997 a junho de 2015, foram submetidos à correção anatômica pela técnica de Jatene no Biocor Instituto 367 pacientes portadores de TGA, com número de alta hospitalar de 328. Este estudo observacional, prospectivo foi realizado entre novembro de 2015 e maio 2016 no Biocor Instituto de doenças cardiovasculares de Minas Gerais com parte de dados para dissertação de mestrado. Dos 328 sobreviventes, 251 estavam em controle ambulatorial regular. Participaram do estudo 127 pacientes que foram separados em dois grupos levando em consideração as suas semelhanças anatômicas. No grupo da TGA simples, foram incluídos 84 pacientes portadores de TGA com septo interventricular intacto. O grupo de TGA complexa incluiu 43 pacientes portadores de TGA associada à comunicação interventricular (CIV) de tamanho médio a grande e os pacientes portadores de dupla via de saída do VD sem estenose pulmonar (Taussig Bing), com ou sem obstrução do arco aórtico. Não participaram do estudo crianças com menos de 2 anos de pós-operatório (n = 18), pacientes submetidos a preparo ventricular (n = 3), pacientes que foram submetidos à técnica da plastia redutora da artéria pulmonar (n = 27), método idealizado para pacientes com grandes desproporções aorto-pulmonares, que foi iniciado no Biocor Instituto a partir de 2006, e os que por impossibilidade não puderam comparecer (n = 76). Houve (n = 75) perda de seguimento e (n = 2) óbito tardio. Recrutamento de dados pré-operatórios Foi realizada revisão de prontuários para coleta de dados demográficos pré-, per- e pós-operatórios imediatos, como definição anatômica, idade em dias na correção cirúrgica, superfície corporal na data da cirurgia, medida indexada da artéria pulmonar e presença de anomalias associadas. Recrutamento de dados pós-operatórios Na avaliação de pós-operatório, todos os pacientes foram submetidos a exame clínico feito por cardiologista pediátrico da instituição e foi realizada medida de peso e de altura para cálculo da superfície corporal. Foi feito também estudo ecocardiográfico transtorácico sem custo para o paciente. O deslocamento dos pacientes foi feito pelas secretarias de saúde dos respectivos municípios e, na impossibilidade, custeada pela própria autora. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética local, tendo sido implementado em plena conformidade com a Declaração de Helsinque, em pesquisa com seres humanos. Todos os indivíduos ou seus representantes legais deram seu consentimento informado para participar. Técnica cirúrgica A técnica da cirurgia de Jatene empregada no Biocor Instituto foi basicamente a mesma em todo período do estudo. A manobra de Lecompte foi utilizada em quase todos os pacientes (96%) e o reimplante coronário foi realizado com a neo-aorta distendida e sempre nos seios de Valsalva e nunca na linha de sutura (“ trap door ”). A abordagem da CIV variou de acordo com sua localização anatômica, ocorrendo via átrio direito, aorta ou artéria pulmonar. A reconstrução pulmonar foi realizada com pericárdio autólogo (dois remendos ou monopatch ) Metodologia do estudo ecocardiográfico O exame ecocardiográfico foi realizado pela autora, ecocardiografista pediátrica da instituição, com aparelho modelo Phillips HD11, no Biocor Instituto, onde foram realizadas quatro medidas sequenciais da aorta, sendo quantificado o grau de regurgitação da valva neo-aórtica. O mesmo exame foi realizado por outro ecocardiografista de igual experiência, sendo as medidas comparadas. Não houve discrepância entre asmedidas dos examinadores, motivo pelo qual não foi necessária nova conferência em nenhum dos exames realizados, visto que as diretrizes relacionadas às medidas são bem claras. 9 22

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