ABC | Volume 111, Nº1, Julho 2018

Artigo Original Warpechowski Neto et al Síndrome de brugada – coorte e registro de 19 anos Arq Bras Cardiol. 2018; 111(1):13-18 Embora a história de arritmias ventriculares do tipo fibrilação ou taquicardia seja um preditor de mortalidade nos pacientes acometidos, e as taxas de recorrência arrítmica estejam em torno de 7,7% ao ano, 14 a grande maioria de nossos pacientes era assintomática no momento da avaliação eletrofisiológica. Se, por um lado, pacientes assintomáticos sem fator de risco adicional são hoje classificados como de baixo risco, 14,15 por outro é difícil predizer o risco potencial pela avaliação única do ECG, tornando-se necessária uma abordagem de avaliação multifatorial na busca de outros agravantes, como história familiar de morte súbita, história pessoal de síncope ou arritmia induzida – já que o simples padrão eletrocardiográfico, isoladamente, parece não ser suficiente para a definição de alto risco de eventos. 16 A incorporação das evoluções da cardiologia na busca por preditores de risco apresenta resultados divergentes em um cenário onde a identificação de suscetibilidade ainda é o principal ponto, uma vez que a terapêutica não apresentou mudanças significativas nos últimos anos, continua sem alternativa farmacológica efetiva e segue limitada aos dispositivos antiarrítmicos implantáveis. Esses, sabe-se, têm contribuição significativa, ainda que indiretamente, na qualidade de vida por repercussões sociais ou profissionais no dia a dia dos pacientes 17 – acrescentando argumentos ao já desafiador processo de identificação de seus reais beneficiários. Em 2003, na avaliação de 547 pacientes com padrão de Brugada sem história prévia de morte súbita, com seguimento médio de 24 meses, o estudo eletrofisiológico positivo teve associação com desfechos arrítmicos em análise multivariada (risco seis vezes maior em intervalo de 2 anos versus duas e meia vezes no segundo melhor preditor, que foi história previa de síncope). 13 Em coorte de 1029 pacientes, 14 com 72% de homem, idade média de 45 anos e 64% assintomáticos (perfil populacional semelhante ao nosso), estudo eletrofisiológico foi realizado em 638 indivíduos com positividade em 41% sem, no entanto, apresentar-se como preditor de risco em análise multivariada, restando apenas a história pessoal e o padrão eletrocardiográfico correlacionados com eventos. Dois anos depois, estudo multicêntrico prospectivo 15 avaliou especificamente a acurácia da arritmia induzida na estimulação e a identificação de novos preditores de risco. O resultado foi de que a arritmia induzida não foi preditor de eventos em seguimento limitado a período de 36 meses (sendo que, dos pacientes com arritmia induzida, apenas 34% tiveram nova indução na repetição do protocolo), os mesmos achados de relação com ECG tipo I e história pessoal de síncope e o achado adicional positivo para período refratário ventricular inferior a 200ms e fragmentação de QRS. Dos 14 eventos, apenas 1 não apresentava padrão tipo I espontâneo, com número necessário tratar (NNT) de 25,2. Por outro lado, em 2016, revisão sistemática de trabalhos prospectivos observacionais envolvendo 1312 pacientes de oito estudos, com n variando de 575 a 23 portadores de SBr, sem história prévia de morte súbita, submetidos a estimulação ventricular, mostrou que arritmia induzida correlacionou-se com eventos em seguimento médio de 38,3 meses, com riscos maiores nos pacientes induzíveis com um ou dois extra estímulos. 18 A análise global dos dados indica que o estudo eletrofisiológico é útil, sobretudo, nos pacientes com risco intermediário, onde as características clínicas não são capazes de classificação dicotômica de alto ou baixo risco. Em 2017, Sieira et al., 19 propuseram um modelo de classificação de risco baseado em coorte de 400 pacientes de um único centro belga, com idade média e percentuais de indivíduos assintomáticos semelhantes aos da nossa coorte, onde fatores clínicos associados a desfechos foram categorizados em modelo de pontos incluindo as variáveis: padrão eletrocardiográfico tipo I, história de morte súbita em familiar de primeiro grau antes de 35 anos, arritmia induzida ao estudo eletrofisiológico, síncope, doença do nó sinusal e história de morte súbita. No escore proposto, somas iguais ou acima de 2 representam elevado risco de desfechos, com valor preditivo positivo de 90%, mantendo-se em 81% quando levado à validade externa. No presente trabalho, a taxa de eventos do dispositivo implantável foi menor do que a descrita na literatura, incluindo trabalhos nacionais envolvendo pacientes com SBr, 20 e o paciente com terapia apropriada recebeu-a ainda no primeiro ano de acompanhamento. Apesar disso, o seguimento médio de 5 anos representou um ganho temporal em relação a muitos trabalhos semelhantes, permitindo a análise de eventos em janela de tempo maior – sabendo-se que os riscos são contínuos ao longo da vida – com a potencial vantagem de superar eventuais dados clínicos imprecisos – sobretudo a história familiar – visto que a informação é dependente do paciente e dados pregressos podem não estar bem caracterizados já na geração imediatamente anterior ao probando. Embora controverso, o uso do estudo eletrofisiológico na estratificação vem se mostrando uma ferramenta útil na identificação de pacientes de alto risco e representa um claro sinal de que o ventrículo é mais excitável e, portanto, propenso a eventos arrítmicos. 21 Limitações Dentre as limitações do trabalho, destaca-se o fato de a coorte não ser constituída por pacientes identificados por ECG, mas sim apenas aqueles que, no julgamento dos seus respectivos médicos assistentes, teriam no estudo eletrofisiológico uma ferramenta de auxílio da abordagem de estratificação de risco, fato que limitou o tamanho da amostra e pode constituir viés por selecionar os pacientes que despertaram maior preocupação quanto a futuros eventos. Outro fato a ser lembrado é que, dos 35 pacientes, 5 não seguiram acompanhamento na mesma instituição onde se realizou o estudo eletrofisiológico. Nesses casos, a coleta de dados limitou-se às informações telefônicas, sem os registros de prontuário eletrônico ou a interrogação dos dispositivos para conferência. Ainda, prescinde-se aqui de avaliação genética na população estudada, limitada pelos custos associados e por não estar acessível rotineiramente no sistema de saúde. Conclusão A SBr é uma condição arrítmica potencialmente fatal e as suas descrições aumentaram substancialmente nos últimos anos. Na presente coorte, semelhante à literatura mundial, a maioria dos pacientes é do sexo masculino e 17

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