ABC | Volume 111, Nº1, Julho 2018

Artigo Original Warpechowski Neto et al Síndrome de brugada – coorte e registro de 19 anos Arq Bras Cardiol. 2018; 111(1):13-18 Introdução A síndrome de Brugada (SBr) é uma condição arrítmica de base genética caracterizada por alterações eletrocardiográficas típicas do segmento ST-T nas derivações precordiais direitas (V1-V3), associada a risco aumentado de morte súbita decorrente de arritmias ventriculares, sobretudo taquicardia ventricular polimórfica, na ausência de cardiopatia estrutural. 1 Descrita em 1992, a SBr está relacionada com a perda de função dos canais de sódio situados nas células ventriculares miocárdicas e resulta da diminuição da quantidade e expressão do canal, alteração na voltagem, atuação dependente do tempo e recuperação acelerada ou prolongada da inativação, 2 acarretando diminuição do influxo do cátion sódio e redução da duração fisiológica do potencial de ação. Embora de herança genética autossômica dominante, o conhecimento atual da doença reconhece cerca de dois terços dos casos como esporádicos (65%), 3 por mutações acarretando perda de função SCN5A codificadora dos canais de sódio – inicialmente rescrita em 1998 4 – ou por outras 350 mutações patogênicas em diversos outros genes codificadores de canais de sódio, potássio ou cálcio, em percentuais de alterações genéticas que respondem hoje por não mais do que 35%. Por etiologia multifatorial que envolve a contribuição tanto de fatores genéticos como ambientais e hormonais, a expressividade clínica é muito variável com acometimento preferencial de homens (em proporções de 8-9:1), 5 manifestação clínica, em média, aos 40 anos e predomínio de desfechos de morte súbita durante o sono, induzida por vagotonia ou precipitada por eventos febris. A SBr responde hoje por cerca de 20% das mortes cardíacas súbitas em corações normais 6 e entre 4-12% de todas as mortes súbitas. 7 O presente trabalho descreve a coorte de pacientes do Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia do Rio Grande do Sul (ICFUC), ao longo dos últimos 19 anos (1998-2017), submetidos a estudo eletrofisiológico após achado de padrão eletrocardiográfico típico de SBr em diferentes situações de atendimento médico e referenciados para avaliação a critério do médico assistente. Métodos Estudo de coorte de pacientes encaminhados para estudo eletrofisiológico no laboratório de eletrofisiologia do ICFUC entre janeiro de 1998 e março de 2017. Dentre os 5506 exames realizados no período, 35 (0,67%) corresponderam à avaliação de pacientes com padrão eletrocardiográfico compatível (padrão de Brugada), incluídos no seguimento a partir da data do exame. Critérios de inclusão foram: ausência de cardiopatia estrutural, ausência de história pessoal de morte súbita abortada, eletrocardiograma (ECG) compatível com padrão de Brugada tipo I, II ou III e realização de estudo eletrofisiológico sob protocolo preestabelecido de estimulação ventricular com três ciclos basais (600, 500 e 400 ms) com introdução de até três extra estímulos. Desafio diagnóstico com a infusão de antiarrítmicos de classe IA da classificação Vaughan Williams (ajmalina em dose de 1mg/kg ao longo de 10 minutos ou procainamida 10mg/kg em 10 minutos) foi realizado nas apresentações eletrocardiográficas do tipo II, em concordância com os fármacos mais utilizados tanto nos trabalhos europeus quanto americanos. 8 A partir da data do exame, seguimento temporal foi realizado através de consultas médicas, em intervalos regulares de seis meses, revisão de prontuário médico e/ou contato telefônico. Análise estatística Nosso banco de dados foi armazenado em planilhas do Microsoft Excel e analisado usando o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0 (Armonk, NY, EUA: IBM Corp). As variáveis contínuas que foram descritas como média (±desvio padrão) foram comparadas utilizando-se o teste t para amostras independentes. As variáveis contínuas de distribuição não gaussiana foram descritas como mediana (intervalo interquartil [IQR]), sendo comparadas utilizando-se o teste U de Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram descritas como porcentagens e comparadas com o teste qui‑quadrado; as comparações entre grupos foram feitas usando o teste z, com uma análise post-hoc de Bonferroni para identificar a diferença estatística. Foi realizada a análise da sobrevida livre de eventos utilizando o método de Kaplan‑Meyer, sendo referidos a perspectiva da sobrevida percentual e o erro- padrão. As diferenças entre a frequência de eventos no tempo de acordo com as variáveis identificadas foram comparadas pelo teste de Log-rank. Consideramos p < 0,05 como estatisticamente significativo. Desfechos no acompanhamento Foram pesquisados por meio de revisão do prontuário eletrônico ou ligação telefônica a ocorrência dos seguintes eventos: morte, síncope, internação hospitalar por arritmia, presença de palpitações recorrentes com necessidade de atendimento médico. Naqueles pacientes que receberam um cardiodesfibrilador implantável (CDI), foi pesquisada a ocorrência de choque e, se disponível, se o evento foi considerado apropriado (choque por arritmia ventricular) ou inapropriado (choque por taquicardia supraventricular, sensibilidade aumentada para onda T ou interferência eletromagnética). Resultados De um total de 35 pacientes incluídos na coorte, 22 (62,85%) apresentavam padrão eletrocardiográfico tipo I, 12 (34,30%) tipo II e 1 paciente (2,85%) com padrão tipo III. Quanto ao sexo, 25 (71,42%) eram do sexo masculino. A idade média foi de 43,89±13,1 anos e a grande maioria dos casos (65,71%) apresentava-se assintomática no momento da inclusão. Quanto aos sintomas, seis pacientes (17,14%) apresentavam palpitações, cinco (14,28%) relatavam síncope, e três (8,57%) informaram história familiar de morte súbita em familiar de primeiro grau. Dezesseis pacientes (45,7%) apresentaram taquiarritmias ventriculares induzidas à estimulação – período refratário ventricular médio de 228 ± 36 ms. Onze pacientes (31,4%) com padrão tipo II receberam ajmalina ou procainamida e, em sete deles (63,6%), houve transformação do ECG em tipo I. 14

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