ABC | Volume 110, Nº6, Junho 2018

Artigo Original Soares et al Risco cardiovascular em uma população indígena Arq Bras Cardiol. 2018; 110(6):542-550 da população de estudo. No componente “idade”, eles receberam a pontuação indicada para indivíduos de 30 a 34 anos (zero). Nenhum Xavante na faixa etária de 20 a 39 anos apresentou elevado risco cardiovascular. Mesmo com elevada capacidade preditiva, o escore de Framingham apresenta limitações por não contemplar excesso de peso e sedentarismo, importantes fatores de risco o cardiovascular. 23 Pesquisas têm evidenciado um aumento considerável da prevalência de sobrepeso e obesidade em populações indígenas. 4,5,24 Estudos emcomunidades específicas mostramque a proporção de adultos com sobrepeso e obesidade é bastante elevada, superando 50% em determinadas faixas etárias. 25-27 A obesidade é um importante fator de risco para DCV s. Por um lado, está associada de forma independente com o risco para doença coronariana, fibrilação atrial e insuficiência cardíaca. Por outro, a obesidade, especialmente do tipo abdominal ou visceral, associa-se com outros fatores que contribuem para um maior risco cardiovascular, como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus, hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL-c. 23 Mais recentemente, a CH também tem sido utilizada como indicador de risco cardiometabólico. A CH, definida como a presença simultânea de CC aumentada e elevadas concentrações de TG , pode ser utilizada para triagem de pessoas com probabilidade de serem portadoras da tríade metabólica aterogênica – hiperinsulinemia de jejum, hiperapolipoproteína B e alta proporção de pequenas partículas de LDL-c. Por esse motivo, a CH tem sido utilizada como uma ferramenta prática, viável e de baixo custo para identificar indivíduos com maior risco cardiovascular. 12,28 A prevalência de CH na população Xavante (50,6% em mulheres e 38,0% em homens) foram superiores às encontradas em outros estudos brasileiros. 29,30 Indivíduos diabéticos apresentam risco aumentado de duas a três vezes de sofrer um evento cardiovascular. 31 Além disso, as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares são importantes causas de óbito em portadores de diabetes mellitus, sendo responsáveis por até 80% das mortes. 32,33 A glicemia alterada é um problema de saúde de grande magnitude na população Xavante. No presente estudo, 70,2% das mulheres e 46,8% dos homens apresentaram diabetes ou tolerância diminuída à glicose, o que evidencia que este é um grupo particularmente vulnerável. Trata-se de uma prevalência bastante superior à verificada na população brasileira. 34 A HAS é também um importante fator de risco para o desenvolvimento de DCVs. 17 A prevalência de HAS nos Xavante (14,7% emmulheres e 18,0% em homens) foi inferior aos valores médios observados na população brasileira adulta, na qual a prevalência encontra-se entre 20,0% 35 e 24,1%. 36 Comparando os resultados de estudos realizados entre os Xavante de Pimentel Barbosa, é possível observar uma tendência de aumento da prevalência de HAS. Em 1962, não foram encontrados casos de HAS. 37 Já em 2009, as prevalências chegaram a 8,1% entre os homens e 5,8% entre as mulheres. 38 S ugere-se que o perfil encontrado seja resultado de modificações sociais, culturais, econômicas e ambientais entre os Xavante, que culminaram na redução da atividade física e mudanças nos hábitos alimentares, com aumento do consumo de alimentos industrializados, ricos em açúcar, gordura e sódio. 4,27 O estudo apresenta algumas limitações. Apesar do elevado número de Xavante participantes da pesquisa, a população de estudo equivale a aproximadamente 60% do total estimado de indivíduos com 20 ou mais anos de idade nessas reservas, existindo a chance de um possível viés de seleção, pelo fato de os indivíduos mais saudáveis terem possível menor interesse em participar do estudo. Também deve ser considerado o fato de que algumas aldeias menores e de acesso mais difícil não foram incluídas no estudo, influenciando a taxa de participação no inquérito. Quanto à dificuldade de comunicação entre indígenas e pesquisadores, que poderia ocasionar um viés de aferição, ela foi atenuada com a utilização de agentes indígenas de saúde, da própria comunidade, que acompanharam a coleta de dados. Um outro aspecto relevante é que, apesar dos indígenas terem sido orientados a estar em jejum para a coleta de sangue, não foi possível garantir que todos o fizeram da maneira correta, devido a barreiras culturais para entender a necessidade do jejum para realizar exames laboratoriais, como não terem uma programação regular de refeições. Dessa forma, é preciso cautela na interpretação dos níveis de TG e razão TG/HDL-c e CH. Outra limitação refere-se à não coleta de informação sobre o hábito de tabagismo, fator essencial de risco cardiovascular, tanto de forma isolada, quanto como componente do Escore de Risco de Framingham. Em relação ao escore, todos os indivíduos receberam a pontuação referente a não tabagistas, havendo, portanto, uma possível subestimação do risco cardiovascular segundo esse indicador. Os resultados são bastante expressivos para essa população. Além disso, não foram encontrados estudos com uma avaliação de risco cardiovascular que contemplasse essa variedade de indicadores. Conclusões Os Xavante apresentam elevado risco cardiovascular segundo vários indicadores avaliados, como HDL-c, triglicérides, razão TG/HDL-c, PCR, IMC, CC, CH e glicemia. Considerando que as DCVs são assintomáticas no início e responsáveis por significativa morbimortalidade, o presente levantamento de fatores de risco fornece subsídios para ações de prevenção e tratamento precoce, a fim de minimizar os danos causados por ess as doenças entre os Xavante. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Soares LP, Moises RS, Vieira‑Filho JPB, Franco LJ; Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Soares LP, Dal Fabbro AL, Silva AS, Sartorelli DS, Franco LF, Kuhn PC, Moises RS, Vieira-Filho JPB, FrancoLJ;Obtençãode financiamento: Franco LJ; Redação do manuscrito: Soares LP, Franco LJ. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. 548

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