ABC | Volume 110, Nº6, Junho 2018

Artigo Original Soares et al Risco cardiovascular em uma população indígena Arq Bras Cardiol. 2018; 110(6):542-550 Introdução As doenças cardiovasculares (DCVs) constituem a principal causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo. Aproximadamente um terço de todos os óbitos ocorre devido às DCVs. Além disso, constituem uma das principais causas de internação hospitalar prolongada e de gastos em saúde no Brasil. 1,2 A maior parte das DCVs resulta de um estilo de vida pouco saudável e de fatores de risco modificáveis. Perfil lipídico alterado, diabetes mellitus , tabagismo, idade avançada, história familiar, sedentarismo e excesso de peso são os principais fatores que predispõem ao aparecimento de DCVs. 1-3 A s DCVs têm início numa fase precoce da vida, progridem silenciosamente e encontram-se já avançadas quando aparecem as primeiras manifestações clínicas. Quanto mais precocemente forem identificados os fatores de risco, maior a possibilidade de prevenção e de redução das suas complicações. 2 A prevalência de fatores de risco cardiovascular ainda é pouco estudada em populações indígenas brasileiras. Entre os Xavante, a despeito de uma significativa literatura sobre suas condições de saúde, não há estudos abordando essa temática. Sabe-se que essa população vem passando, nas duas últimas décadas, por importantes mudanças nos hábitos alimentares e na frequência e intensidade da atividade física, o que contribui para o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis. 4,5 No entanto, não há dados específicos sobre risco cardiovascular. Considerando que as DCVs geram elevado número de mortes prematuras e incapacidades, perda de qualidade de vida, além de impactos econômicos para as famílias, comunidades e a sociedade em geral, o conhecimento da prevalência de fatores de risco cardiovascular é de grande importância para o estabelecimento de estratégias de prevenção. 2 O objetivo dest e estudo foi avaliar a prevalência de fatores de risco cardiovascular na população adulta Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro/Volta Grande – MT. Métodos Trata-se de estudo transversal, envolvendo a população adulta Xavante das Reservas Indígenas de São Marcos e Sangradouro/Volta Grande – MT. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, pela CONEP e FUNAI. Os Xavante vivem em oito reservas indígenas no estado do Mato Grosso, Brasil. Este inquérito foi realizado nas reservas de São Marcos e Sangradouro/Volta Grande, em viagens periódicas à região, no período de outubro de 2008 a janeiro de 2012. A população total dessas reservas está estimada em 4020 índios, sendo 1582 com 20 anos ou mais de idade. 6 Todos os indivíduos com 20 anos ou mais de idade foram convidados a participar do estudo. O exame físico, incluindo antropometria e a coleta de amostras de sangue foram realizados nas aldeias. Os líderes indígenas e os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e deram seu consentimento, em sua maioria por escrito. Para os que eram analfabetos (14%), os termos de consentimento foram lidos por agentes de saúde indígena. As impressões digitais foram usadas para documentar a sua aprovação. Foram consideradas as variáveis sexo, idade, peso (kg), altura (m), circunferência da cintura (CC) (cm), níveis séricos de triglicérides (TG) (mg/dl), colesterol total (CT) (mg/dl), lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) (mg/dl), lipoproteína de alta densidade (HDL-c) (mg/dl), apolipoproteínas A1 e B (apo A1 e apo B) (mg/dl), glicemia capilar inicial e de 2ª hora (mg/dl), pressão arterial sistólica e diastólica (mm/Hg), proteína C reativa (PCR) ultras sensível (mg/L). O peso foi avaliado com a utilização de balança eletrônica (Plenna®), com capacidade máxima de 150 kg. A estatura foi verificada com estadiômetro portátil (Alturexata®). A partir dos dados de peso e altura, foi calculado o Índice deMassa Corporal (IMC) – [peso (kg)/altura(m) 2 ]. 7 A CC foi mensurada com fita milimétrica inelástica, no ponto médio entre o último arco intercostal e a crista ilíaca, com o indivíduo na posição ereta. As amostras de sangue foram coletadas com indivíduos em jejum de 8 a 10 horas, por via venosa, sendo utilizados coletores estéreis e descartáveis (Vacutainer®). As amostras foram condicionadas a -20°C e transportadas para o laboratório na cidade de São Paulo. Os níveis séricos de TG, CT, LDL-c, HDL-c, apo A1 e apo B foram quantificados por métodos enzimáticos. A dosagem de PCR ultrassensível foi realizada por imunoturbidimetria. A pressão arterial (PA) foi aferida no braço esquerdo do indivíduo sentado, após cinco minutos de repouso, utilizando o aparelho de pressão digital de braço automático (OMRON HEM-742INTC®). A pressão arterial foi aferida três vezes, sendo considerada a média das duas últimas aferições. A glicemia capilar inicial e a glicemia duas horas após sobrecarga de 75 g de glicose anidra (Glutol®) forammedidas por um glicosímetro portátil (HemoCue® Glucose 201, HemoCue AB). Foram calculados os Índices de Castelli I (razão CT/HDL-c) e II (razão LDL-c/HDL-c) 8 , a razão TG/HDL-c, 9 a relação Apo B/ Apo A1 10 e o escore de risco de Framingham. 11 A cintura hipertrigliceridêmica (CH) foi definida como a presença simultânea de CC aumentada e elevadas concentrações de TG. 12 No Quadro 1, estão apresentados os indicadores considerados no estudo e os respectivos parâmetros de risco cardiovascular. 7-17 Análise estatística Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar se as variáveis apresentavam distribuição normal. As variáveis contínuas foram apresentadas em médias e desvio-padrão e o Teste t de Student foi utilizado para comparar as médias das variáveis nos sexos feminino e masculino. As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa e para comparação das proporções utilizou-se o Teste Qui quadrado ( χ 2 ). Os dados foram analisados com o uso do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 17, sendo fixado um nível de significância de 5%. 543

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