ABC | Volume 110, Nº6, Junho 2018

Artigo Original Karaman et al Repolarização do miocárdio e CVP Arq Bras Cardiol. 2018; 110(6):534-541 Introdução As contrações ventriculares prematuras (CVPs) costumam ser observadas na eletrocardiografia (ECG) de pacientes com hipertensão, obesidade e doença cardíaca estrutural. Alguns estudos relataram que as CVPs ocorrem em aproximadamente 4% da população geral. 1,2 Enquanto alguns pacientes podem ser assintomáticos, muitos sofremde sintomas relacionados às CVPs, tais como palpitação, tontura, dispneia e dor torácica. Além desses sintomas, CVPs frequentes podem causar distúrbios mais graves. Estudos recentes sobre adultos com CVPs frequentes (> 20.000/24 h) relataram dilatação e/ou disfunção ventricular esquerda, 3,4 disfunção diastólica 5 e arritmias ventriculares malignas em pacientes com doença cardíaca estrutural, 6 no entanto não há certeza se as CVPs frequentes estão associadas com arritmias malignas em indivíduos sem doença cardíaca estrutural. A onda T costuma ser utilizada para avaliar a repolarização do miocárdio. A dispersão transmural aumentada da repolarização do miocárdio em um coração regular associa-se com uma tendência para arritmias cardíacas. Recentemente, alguns marcadores de repolarização do miocárdio, tais como intervalo QT (QT), QT corrigido (QTc), dispersão de QT (QTd), intervalo Tp-e (Tp-e) e relação Tp-e/QT, foram considerados úteis para predizer arritmias cardíacas potencialmente fatais em diversos distúrbios clínicos sem doença cardíaca estrutural. Certos estudos mostraram que Tp-e, Tp-e/QT e Tp-e/QTc aumentados foram relacionados ao risco elevado da ocorrência de arritmias ventriculares malignas. 7,8 Neste estudo, investigou‑se a relação entre a carga de CVP e a repolarização do miocárdio, utilizando alguns marcadores de ECG em indivíduos sem doença cardíaca estrutural. Métodos População do estudo Cem pacientes com no mínimo uma CVP na ECG de 12 derivações, diagnosticados com tontura, síncope e palpitação sem doença cardíaca estrutural, hospitalizados no setor de cardiologia de nosso hospital universitário, entre julho de 2016 e março de 2017, foram incluídos neste estudo transversal. Obtiveram-se registros de Holter ambulatorial durante 24 horas de todos os pacientes. A carga de CVP foi calculada como o número total de CVPs dividido pelo número de todos os complexos de QRS no tempo de registro total. A frequência de < 1% de CVPs/24 horas foi indicada como “grupo raro 1 (n = 32)”, 1–5% de CVPs/24 horas foi indicada como “grupo ocasional 2 (n = 36)” e > 5% de CVPs/24 horas foi indicada como “grupo frequente 3” (n = 32)”. Os critérios de exclusão para todos os grupos foram: ondas T não confiáveis na ECG, fibrilação atrial, bloqueio do ramo esquerdo do feixe de His, doenças cardíacas valvulares graves ou moderadas, distúrbios tireoidianos, cardiomiopatias, doenças cardíacas congênitas, malignidade, hipertensão pulmonar, distúrbios eletrolíticos, síndromes coronárias agudas, insuficiência cardíaca, histórico de infarto do miocárdio, histórico de ponte aorto-coronária, marca-passo permanente implantado e defeito de movimento segmentar do ventrículo esquerdo na ecocardiográfico. A aprovação do comitê de ética local e o termo de consentimento foram obtidos de todos os pacientes. Eletrocardiografia e registros do Holter ECGs de 12 derivações foram obtidas em repouso numa taxa de amplitude de 10 mm/mV e 25 mm/seg (Cardiofax V; Nihon Kohden Corporation, Tóquio, Japão), com o paciente na posição decúbito dorsal. Todas as ECGs foram transferidas para um computador por meio de um escâner e, em seguida, utilizadas para a amplificação × 300%, utilizando-se o software Paint. Os registros de Holter foram realizados com gravadores Lifecard CF (Del Mar Reynolds Medical, Irvine, Estados Unidos). Os pacientes foram advertidos para não fumarem nem consumirem café e/ou álcool durante o registro do Holter. Mensuraram-se as medidas no computador por dois cardiologistas que estavam cegos com relação aos dados clínicos de cada paciente. A taquicardia ventricular (TV) foi definida como a escalação de, no mínimo, três ou mais CVPs consecutivas. O couplet ventricular (Cv) foi definido como a ordenação sequencial de duas CVPs. O intervalo RR e a duração de QRS, QT e QTd foram medidos em todas as derivações. O QT foi definido como o período desde o início do QRS até o ponto em que a onda T retorna à linha isoelétrica. O valor médio de, no mínimo, duas leituras foi calculado para cada derivação. OQTc foi calculado utilizando-se a fórmula de Bazett: 9 QTc =QT/√R – intervalo R. O QTd foi definido como a diferença entre o intervalo de QT mais longo e o mais curto das 12 derivações. Indivíduos com ondas U em suas ECGs foram excluídos do estudo. Na medida do intervalo Tp-e, os métodos de cauda e tangente podem ser utilizados, mas o primeiro é um preditor melhor de mortalidade do que o último. 10 Desse modo, o método de cauda foi utilizado neste estudo. O método de cauda foi definido como o intervalo entre o pico até o fim da onda T ao ponto onde a onda alcançou a linha isoelétrica. 9 A medida do intervalo Tp-e foi obtida das derivações V2 e V5, que foram corrigidas para a frequência cardíaca (cTp-e). 11 As relações Tp-e/QT foram calculadas com base nas medidas. Exame ecocardiográfico Todos os exames de ecocardiografia (General Electric Vivid S5, Milwaukee, Estados Unidos) foram realizados em todos os indivíduos, por um cardiologista experiente, utilizando-se um transdutor de 2.5–3.5 MHz na posição de decúbito ventral esquerda. Duas medições dimensionais e de Doppler pulsado foramobtidas utilizando-se os critérios da Sociedade Americana de Ecocardiografia e da Associação Europeia de Imagens Cardiovasculares. 12 A fração de ejeção ventricular esquerda (LVEF) foi avaliada por intermédio do método de Simpson. Análise estatística Todos os testes foram realizados utilizando-se o PASW Statistics (SPSS 18.0 para Windows, Inc., Chicago, Estados Unidos). O teste de Shapiro–Wilk foi usado para avaliar a distribuição normal. As variáveis contínuas foram descritas como a média (± desvio padrão), e as variáveis categóricas, como a frequência (porcentagem). Compararam-se todos os parâmetros contínuos entre grupos por meio da ANOVA 535

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