ABC | Volume 110, Nº6, Junho 2018

Minieditorial Prevenção da Morte Súbita na Cardiomiopatia Hipertrófica Prevention of Sudden Death in Hypertrophic Cardiomyopathy Edmundo Arteaga-Fernández e Murillo de Oliveira Antunes Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR HC FMUSP), São Paulo, SP – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Prevenção de Morte Súbita Cardíaca em Doentes com Miocardiopatia Hipertrófica: O Que Mudou nas Guidelines? Correspondência: Edmundo Arteaga-Fernández • Rua Arruda Alvim, 49/111. CEP 05410-020, São Paulo, SP - Brasil E-mail: Edmundo.arteaga@incor.usp.br Palavras-chave Cardiomiopatia Hipertrófica; Morte Súbita Cardíaca / prevenção & controle; Cardiopatias Congênitas. DOI: 10.5935/abc.20180101 A cardiomiopatia hipertrófica (CH) é a doença cardíaca congênita mais frequente, e a morte inesperada (MI) sua complicação mais temida, foi destacada na descrição inicial da doença feita por Donald Teare, 1 na qual relatava a ocorrência desse evento em 7 de 8 pacientes. MI ocorre durante as atividades cotidianas, ou após atividades físicas emesmo durante sono, podendo se manifestar em jovens atletas, causando grande impacto na mídia. Isso tem requerido empenho dos pesquisadores na procura de fatores clínicos e de exames complementares que auxiliem na identificação daqueles de maior risco para indicação do cardiodesfibrilador implantável (CDI) e prevenção dessa fatalidade, uma vez que a causa é a taquicardia ou fibrilação ventricular. 2 Na CH, há substrato que favorece o aparecimento de arritmias ventriculares. A hipertrofia causa dispersão da repolarização; o desarranjo dos miócitos e o aumento da fibrose criam áreas de bloqueio de condução que predispõem às arritmias por reentrada; e as do fluxo de íons como o cálcio durante a repolarização podem desencadear arritmias. Ainda, esse complexo substrato arritmogênico pode ser modulado por distúrbios de resposta autonômica, isquemia miocárdica e obstrução da via de saída do VE. Porém, não podemos esquecer que disfunção diastólica, sistólica e eventos tromboembólicos também são causas de morte . 2-4 Se falarmos demorte de origemcardiovascular, empacientes comCHocorre em0,5%a 1,5%/ano, próxima àmortalidade da população geral. 2 Em pacientes com CH considerados de alto risco, a MI pode chegar a 2,5%. 5 Entretanto, a questão é identificar com grande poder de acerto quais são esses pacientes para, assim, indicar o tratamento preventivo com o CDI. Antes das publicações das diretrizes 3 já sabíamos que a manifestação da CH em crianças < 10 anos com disfunção diastólica ou sistólica, MI em parentes de 1º grau e idade < 50 anos, taquicardia ventricular não sustentada, síncope e hipertrofia do miocárdio > 30 mm eram fatores de MI, sendo que os 4 últimos foram considerados universalmente na indicação de CDI na primeira Diretriz de 2011 (EUA). 2 Hoje sabemos que o valor preditivo positivo de cada fator de risco é baixo e poucas evidências sugerem maior poder preditivo de algum deles. Porém, há autores que consideram apenas um fator de risco para a indicação do CDI. 6 Os dois maiores estudos multicêntricos com base na diretriz americana 2 – um com adultos (n=506, idade média =42 anos, seguimento médio = 3,7 anos) mostrou que na indicação da prevenção primária, 75% casos utilizaram os aparelhos em 4%/ano e na secundária, 25% casos em 12%/ano. As terapias foram observadas em 20% e os choques inapropriados em 27%, com 7% de complicações . 7 No estudo com 224 crianças e adolescentes (média = 14 anos e seguimento médio = 4,3 anos) houve indicação de prevenção primária em 84% casos e secundária em 16% casos e a proporção de utilização por ano foi semelhante à dos adultos, com terapias em 19% e choques inapropriados em 41%. 8 A diretriz europeia de 2014 (ESC) recomendou um novo modelo de cálculo de risco de MI baseado em estudo longitudinal, retrospectivo emulticêntrico (n=3675), utilizando sete variáveis: idade, história familiar de MI, síncope, espessura da parede, diâmetro do átrio esquerdo, gradiente de via de saída do ventrículo esquerdo e presença de taquicardia ventricular não sustentada. Na prevenção primária, o cálculo de risco contempla uma pontuação com três níveis de risco de MI (baixo, médio e elevado) emcinco anos para pacientes >16 anos. 3,9 Este cálculo, validado por estudos realizados na Europa 10 (n=706) e America do Sul 11 (n = 502) mostrou-se superior na avaliação do risco individual quando comparado ao utilizado pelas sociedades da América doNorte e Canadá. Entretanto, outro estudo 12 aplicando o cálculo de risco da ESC (n = 1629, idade > 16 anos) mostrou que a maioria dos pacientes comMI ou que tiveram terapias do CDI, eram classificados como de baixo risco e, assim, estariam desprotegidos de MI. Concluíram que a estratificação de risco primário por este modelo não é confiável como preditor de futuros eventos de MI. 13 Reis et al., 14 publica nesta edição estudo de coorte (n = 105) comparando a estratificação de risco de MI entre as diretrizes americana e europeia concluindo que omodelo de risco europeu diminui a proporção de pacientes com indicação de CDI. Podemos afirmar que a avaliação do risco de MI na CH está restrita a um pequeno subgrupo de pacientes (5%) e continua sendo um grande desafio, apesar dos avanços constantes no conhecimento. 10,15 As diretrizes foram baseadas em fatores de risco cada vez mais numerosos, 15 com baixo valor preditivo e validados por fórmulas matemáticas para uma doença frequente, porém pouco diagnosticada em que a maioria dos pacientes tem seu ciclo vital normal e livre da MI. Agradecimentos Aos colegas Adriana Paula Tirone, Afonso Akio Shiozaki, Afonso Yoshikiro Matsumoto, Aloir Queiroz de Araujo, Julia Daher Carneiro Marsiglia, Paula de Cássia Buck e Paulo de Tarso Jorge Medeiros, pela colaboração no estudo da cardiomiopatia hipertrófica. 532

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