ABC | Volume 110, Nº6, Junho 2018

Relato de Caso Miocardite Eosinofílica: Relato de Caso e Revisão da Literatura Eosinophilic Myocarditis: Clinical Case and Literature Review Paulo Dinis, Rogério Teixeira, Luís Puga, Carolina Lourenço, Maria Carmo Cachulo, Lino Gonçalves Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Hospital Geral, Coimbra - Portugal Correspondência: Paulo Dinis • Rua Vila de Manteigas, nº 28, 2º Dto. CEP 6300-617, Guarda – Portugal E-mail: paulogdinis@gmail.com Artigo recebido em 09/05/2017, revisado em 08/06/2017, aceito em 13/06/2017 Palavras-chave Eosinofilia, Miocardite, Síndrome Hipereosinofílica / mortalidade, Síndrome Hipereosinofílica / tratamento farmacológico, Imagem por Ressonância Magnética. DOI: 10.5935/abc.20180089 Introdução A miocardite eosinofílica é uma doença rara e potencialmente letal, que se caracteriza pela infiltração do miocárdio por eosinófilos. 1 A associação entre a eosinofilia e a lesão miocárdica está bem estabelecida, podendo apresentar diversas etiologias, desde hipersensibilidade e doenças autoimunes até neoplasias e infeções. 1,2 Em alguns casos a etiologia permanece desconhecida, denominando‑se síndrome hipereosinofílica idiopática. As manifestações clínicas apresentam um amplo espectro, desde sintomatologia leve até sintomas graves como dor retroesternal, perturbações do ritmo, e morte súbita. 2,3 O diagnóstico definitivo é realizado por meio da biópsia endomiocárdica. 1 A ressonância magnética cardíaca é uma alternativa válida, identificando as principais alterações estruturais provocadas pela miocardite. 4 O tratamento engloba a terapêutica neuro-humoral, o manejo das complicações cardíacas, e em casos selecionados a corticoterapia sistémica. 5 A seguir apresentamos o caso de um paciente com sintomatologia sugestiva de infarto do miocárdio, mas que no decorrer da investigação teve o diagnóstico de miocardite eosinofílica. Relato de caso Paciente de 79 anos, do género feminino, que recorreu ao Serviço de Urgência com queixas de epigastralgia com duas semanas de evolução, e agravamento na última madrugada. Negava outra sintomatologia acompanhante. Como antecedentes pessoais apresentava dislipidemia não medicada, e asma intrínseca com início na idade adulta. Estava medicada com broncodilatadores e uma associação de um B 2 -agonista com corticoide inalado em baixas doses. Ao exame objetivo apresentava taquicardia, confirmada no eletrocardiograma, com ritmo sinusal de 125 batimentos por minuto. Analiticamente com leucocitose (13,2 x 10 3 /uL) e eosinofilia (2,8 x 10 3 /uL ou 23%), proteína C-reativa (0,8 mg/dL) e elevação dos marcadores de necrose miocárdica (troponina I de 7,6 ng/mL). O ecocardiograma transtorácico revelou uma disfunção sistólica grave do ventrículo esquerdo com fração de ejeção estimada em 30-35%, hipocontratilidade do septo interventricular e um aumento da espessura concêntrica das paredes ventriculares. Não era evidente doença valvular. Foi colocada como primeira hipótese tratar-se de uma síndrome coronária aguda, pelo que foi iniciada terapêutica anti-isquémica com dupla antiagregação plaquetar, enoxaparina e a paciente foi alocada a uma estratégia invasiva. A coronariografia não revelou doença coronária epicárdica. Após isto, o diagnóstico de miocardite eosinofílica numa paciente com componente atópico conhecido era provável. Foi admitida em regime de internação para tratamento e estudo. Iniciou‑se terapêutica neuro-humoral, beta-bloqueante e diurética, mantendo-se a aspirina. No terceiro dia de internação realizou ressonância magnética cardíaca que identificou focos subepicárdicos de edema e de realce tardio no miocárdio do ventrículo esquerdo (Figura 1); mostrou também um pequeno derrame pericárdico na parede livre do ventrículo direito. A fração de ejeção foi quantificada em 33%. No mesmo dia foi submetida a uma biópsia endomiocárdica com colheita de fragmentos de miocárdio do ventrículo direito, cujo resultado confirmou o diagnóstico de miocardite eosinofílica (Figura 2). Iniciou corticoterapia sistémica com prednisolona endovenosa (1 mg/kg/dia) com progressiva melhoria do seu estado geral. No 12º dia de internação repetiu o ecocardiograma que demonstrou melhoria ligeira da função sistólica global do ventrículo esquerdo (fração de ejeção estimada em 35-40%). Teve alta medicada para o domicílio com prednisolona em esquema de desmame, e com consulta de seguimento de cardiologia e doenças autoimunes. O estudo serológico autoimune realizado foi negativo. Após sete meses de corticoterapia, o ecocardiograma apresentou melhoria significativa (fração de ejeção estimada em 45-50%), e diminuição da hipertrofia concêntrica. Discussão No caso descrito a paciente tinha antecedentes de asma, o qual pode ter sido o ponto de partida para a hipereosinofilia. Também apresentava um desconforto epigástrico, que pode ser uma apresentação atípica de uma síndrome coronária aguda. 6 Os achados eletrocardiográficos encontrados, taquicardia sinusal, não são específicos nem sensíveis. 1 Analiticamente era evidente a leucocitose e a eosinofilia com elevação da troponina I, que é explicada pela infiltração dos eosinófilos no miocárdio. Esta infiltração permite a libertação de grânulos tóxicos, proteínas catiónicas, citocinas pró-inflamatórias e radicais livres de oxigénio que vão provocar disfunção a nível mitocondrial, lesão e necrose dos miócitos. 7 597

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