ABC | Volume 110, Nº5, Maio 2018

Artigo Original Almeida et al MTWA e arritmias malignas na doença de Chagas Arq Bras Cardiol. 2018; 110(5):412-417 Introdução A doença de Chagas permanece desafiadora e de grande importância no Brasil e na America Latina, sendo uma preocupação emergente na América do Norte e em países europeus. 1 A doença é considerada endêmica em 21 nações, infecta entre 6 e 7 milhões de pessoas em todo o mundo² e é responsável pelo óbito de cerca de 12.000 pacientes por ano.³ A cardiomiopatia chagásica crônica (CCC) é a apresentação mais importante da doença de Chagas por sua elevada frequência, sua gravidade e pelo grande impacto na morbimortalidade do indivíduo. A CCC possui amplo espectro de manifestações, incluindo insuficiência cardíaca, bloqueios de condução, eventos tromboembólicos e morte súbita. 4,5 A morte súbita é o mecanismo de óbito mais comum desses pacientes, ocorre na presença ou ausência da cardiopatia avançada e pode ser a primeira manifestação da doença. Os mecanismos eletrofisiológicos mais frequentemente envolvidos são as arritmias ventriculares: taquicardia ventricular sustentada e fibrilação ventricular. 4,6 O cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) apresenta grande impacto na prevenção de morte súbita por arritmias ventriculares malignas. 7,8 O emprego do CDI na prevenção secundária é bem aceito na CCC, apesar de ausência de grandes estudos, baseado em resultados obtidos em outras populações. 7,9 Entretanto, seu uso na prevenção primária ainda é controverso devido a custos elevados, riscos intrínsecos ao implante e efeitos adversos. 10,11 Faz-se, então, necessária a identificação dos pacientes com CCC sob risco de morte súbita por arritmias ventriculares malignas. O teste de microalternância de onda T (MTWA) é um teste não invasivo, cuja associação com o aparecimento de taquiarritmias ventriculares foi avaliada em diferentes condições clínicas, com elevado valor preditivo negativo para identificação de pacientes sob risco. 12-17 O teste de MTWA reconhece flutuações da morfologia e amplitude da onda T batimento a batimento, medida em microvolt. Essa flutuação reflete heterogeneidade espaço-temporal de repolarização ventricular, que é implicada como condição predisponente para o início e perpetuação de arritmias ventriculares. AMTWA se destaca pela associação com arritmias malignas em diversas condições clínicas, mas poucos estudos incluem pacientes com CCC. Este estudo tem como objetivo avaliar a possível associação entre MTWA e arritmias ventriculares malignas na doença de Chagas. Método Estudo Trata-se de um estudo observacional, caso-controle, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP 7918/12). Os pacientes foram recrutados entre 2011 e 2014. Pacientes A amostra consiste em pacientes diagnosticados com CCC em acompanhamento no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Os indivíduos concordaram com a participação e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Os pacientes deveriam ter mais de 18 anos de idade, apresentar sorologia positiva para doença de Chagas e preencher critérios diagnósticos para CCC, que incluem cardiopatia estrutural assintomática com alteração eletrocardiográfica típica 18 ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) preservada ou reduzida, com sintomas atuais ou prévios. Foram alocados no grupo caso pacientes com CCC e história de arritmia ventricular maligna, com indicação de implante de CDI para profilaxia secundária e autorização pela comissão de alta complexidade do SUS, segundo a portaria número 152, de 8 de março de 2007, 19 atualizada pela portaria 1, de 2 de janeiro de 2014. 20 Pacientes com CCC sem história pregressa de arritmias ventriculares malignas foram alocados no grupo controle. As indicações prioritárias para implante de CDI no Brasil incluem, segundo a portaria 152, de 8 de março de 2007: 19 - Recuperados de parada cardíaca documentada devido à taquicardia ou fibrilação ventricular de causa não reversível, com FEVE menor ou igual a 35% ou com cardiopatia estrutural. - Taquicardia ventricular sustentada, espontânea, de causa não reversível, com FEVE menor ou igual a 35%. - Síncope de origem indeterminada com indução ao estudo eletrofisiológico de taquicardia ventricular sustentada, hemodinamicamente instável ou fibrilação ventricular, clinicamente relevante, com FEVE menor ou igual a 35% ou com cardiopatia estrutural. Foram excluídos do estudo indivíduos com dificuldade de locomoção na esteira, com insuficiência cardíaca classe funcional IV da NYHA, com fibrilação atrial ou flutter atrial e dependentes de marca-passo. Os critérios de exclusão do estudo também incluíram contraindicações absolutas para realização de teste ergométrico, como arritmias cardíacas conferindo instabilidade hemodinâmica, insuficiência cardíaca descompensada, enfermidades agudas não cardíacas que poderiam ser agravadas pelo exercício físico. 21 Teste de microalternância de onda T Os indivíduos incluídos foram submetidos a entrevista médica, com preenchimento de questionário padronizado, exame físico e realização de ecocardiograma transtorácico. A FEVE foi calculada pelo método de Simpson. Posteriormente, os pacientes foram submetidos ao teste de MTWA, realizado no setor de ergometria do Hospital das Clínicas da UFMG. Para a realização do exame, foram usados eletrodos de alta resolução Micro-V Alternans Sensors™ da Cambridge Heart, que minimizam ruído e artefatos, o software da Cambridge Heart - HearTwave para análise e laudo do exame, e esteira para esforço. Os medicamentos de uso crônico forammantidos. O teste de MTWA consiste na preparação adequada da pele, com limpeza e retirada da camada superficial de células mortas com superfície abrasiva, colocação dos eletrodos nas 12 derivações do eletrocardiograma padrão e em 3 derivações ortogonais, X, Y e Z. 413

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