ABC | Volume 110, Nº4, Abril 2018

Artigo Original Cardoso et al Infecção em pacientes com insuficiência cardíaca Arq Bras Cardiol. 2018; 110(4):364-370 Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é a causa de hospitalização mais frequente entre os diagnósticos cardiológicos nos pacientes com mais de 65 anos no Brasil e no mundo. 1,2 A IC em geral é controlada nos consultórios, mas nas formas avançadas ou quando o paciente apresenta alguma doença associada ou comorbidade, eles podem descompensar e a hospitalização é necessária. 3 Vários fatores podem contribuir para a exacerbação da IC, dentre eles síndrome coronária aguda, arritmias e doença respiratória aguda foram identificadas como os mais frequentes fatores precipitantes de descompensação cardíaca. 2 No Registro OPTIMIZE‑HF, a síndrome coronária aguda e a doença respiratória aguda foram associadas a maior mortalidade durante a internação. 4 Em nosso hospital, em pesquisa na Unidade de Emergência, os fatores associados a descompensação foram a não aderência ao tratamento, insuficiência renal, arritmias e quadros infecciosos. 5 Procuramos neste artigo analisar o papel da infecção na evolução dos pacientes internados em nossa unidade, que é uma enfermaria retaguarda do setor de Emergência. Métodos Este é um estudo de coorte, onde analisamos 260 pacientes hospitalizados de forma consecutiva no ano de 2014 devido a IC descompensada em nossa enfermaria, que é retaguarda da Unidade de Emergência do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Só foi considerada a primeira internação de cada paciente. Todos estavam em classe funcional III ou IV, pela classificação da New York Heart Association (NYHA). Os pacientes foram acompanhados por até um ano, e todos foram submetidos a avaliação clínica, ecocardiográfica e laboratorial. Analisamos dados de identificação, etiologia da cardiopatia, comorbidades, achados clínicos como frequência cardíaca e pressão arterial na primeira avaliação, perfil clínico hemodinâmico, dados do ecocardiograma e da avaliação laboratorial realizada. O diagnóstico de IC foi feito através dos critérios de Framingham, uso do peptídeo natriurético tipo B (BNP) em caso de dúvida diagnóstica e foi realizada a avaliação da fração de ejeção pelo ecocardiograma bidimensional com doppler colorido. As comorbidades foram identificadas com base na descrição dos médicos que atenderam os pacientes. A insuficiência renal foi confirmada pela presença de níveis elevados de ureia e creatinina. Diabetes mellitus foi confirmado pela prescrição de medicamentos hipoglicemiantes na internação. O hipotireoidismo foi identificado quando da presença de prescrição de levotiroxina ou elevação dos níveis de TSH. Fibrilação atrial foi diagnosticada com base no traçado eletrocardiográfico. A infecção pulmonar foi diagnosticada com base nos sinais e sintomas, além de radiografia de tórax, hemograma e PCR. A infecção urinária foi diagnosticada com base nos sinais e sintomas, em associação ao exame de sangue, urina tipo 1 e urocultura. Analisamos as características dos pacientes com diagnóstico de infecção e comparamos com os sem infecção. Análise estatística O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para testar a normalidade dos dados (p > 0,05 = distribuição normal). Na apresentação das características da população, as variáveis contínuas com distribuição normal são apresentadas como média ± desvio padrão. As variáveis contínuas com distribuição não normal são apresentadas como mediana (intervalo interquartil 25% - 75%). As variáveis categóricas são apresentadas como número (porcentagem). Na comparação dos grupos, as variáveis contínuas são apresentadas como média ± desvio padrão. Foram utilizados o teste t de Student não pareado para as variáveis com distribuição normal e o teste U de Mann-Whitney para as variáveis com distribuição não normal. Na comparação das variáveis categóricas, foi utilizado o teste de associação do qui‑quadrado ou o teste Exato de Fisher. Todos os testes utilizados são bicaudais e o valor de p < 0,05 foi considerado como estatisticamente significante. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Resultados Foram incluídos 260 pacientes, com idade média de 66,1 anos (12,7), sendo 54,2% do sexo masculino. Os pacientes foram acompanhados durante a hospitalização e após a alta. O acompanhamento foi de 240,05 dias - erro padrão = 10,47 (Intervalo de Confiança de 95% = 219,52 - 260,57 dias). Durante a internação 119 pacientes (45,8%) apresentaram infecção, 88 (33,8%) tiveram diagnóstico de infecção pulmonar e 39 pacientes (15,0%), de infecção urinária. Oito pacientes apresentaram infecção pulmonar 7 e urinária concomitantemente. A insuficiência renal esteve presente em 142 pacientes (54,6%), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em 34 pacientes (13,1%) 7 , hipotireoidismo em 47 pacientes (18,1%), diabetes mellitus em 95 pacientes (36,5%) e fibrilação atrial em 119 pacientes (45,8%). Na Tabela 1 apresentamos as principais características da população estudada. Dos pacientes estudados, 170 (65,4%) apresentavam IC com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 40%, 37 (14,2%) apresentavam FEVE entre 40% e 49%, e 53 (20,4%) apresentavam FEVE ≥ 50%. O tempo de internação médio foi de 28,6 dias (20,52). Durante a hospitalização, 56 pacientes (21,5%) morreram. Em 30 dias após a alta, 58 pacientes (28,43%) necessitaram passar no pronto-socorro e 28 (13,73%) necessitaram de nova internação. Quando comparamos os grupos com e sem infecção, observamos que as características como idade, sexo, hemoglobina, pressão arterial, frequência cardíaca e FEVE foram semelhantes (Tabela 2). A insuficiência renal esteve presente em 73 pacientes (61,3%) do grupo com infecção vs 69 pacientes (48,9%) do grupo sem infecção (p = 0,045). A dose média de furosemida foi semelhante nos grupos, sendo 68,06 mg/dia (37,58) nos infectados vs 71,84 mg/dia (39,23) nos sem infecção (p = 0,568). No grupo com infecção, a mortalidade durante o acompanhamento total ocorreu em 42 pacientes (35,3%) vs 50 pacientes (35,5%) do 365

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