ABC | Volume 110, Nº4, Abril 2018

Artigo Original Cartolano et al LAP e tamanho da lipoproteína Arq Bras Cardiol. 2018; 110(4):339-347 Introdução A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de morbidade e de mortalidade prematura no mundo, comprometendo significativos recursos privados e públicos. 1 Programas de políticas públicas são focados na prevenção e na modificação de fatores de risco tradicionais (hipertensão, dislipidemia, tabagismo e diabetes mellitus), os quais são a base de todos os modelos de predição de risco cardiovascular. No entanto, a identificação de novos fatores de risco e/ou marcadores para DCV é importante para melhor compreensão de alguns eventos clínicos que não podem ser explicados pelos fatores de risco clássicos. Novos biomarcadores envolvem parâmetros bioquímicos mensuráveis no soro ou no plasma. Contudo, o colesterol associado à lipoproteína de alta densidade (HDL-C) e o colesterol associado à lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) ainda são as principais lipoproteínas monitoradas para estimar o risco cardiovascular em adultos. 2 Atualmente, biomarcadores associados com funcionalidade e estrutura das lipoproteínas – tal como seu tamanho (pequeno, intermediário, grande, e fenótipos A e B) – antioxidantes (tocoferol, carotenoides), apolipoproteínas (Apo B, AI, CII, J, F) e enzimas (Lp-PLA 2 , ACAT) têm sido estudados. 3-5 Particularmente, partículas pequenas e densas de LDL têm sido amplamente descritas por suas propriedades pró-aterogênicas. Essa partícula migra para o espaço subendotelial mais facilmente, recruta e ativa macrófagos, causando sua transformação em células espumosas e gerando estrias gordurosas, uma marca da aterosclerose. 4 Ao contrário dos mecanismos aterogênicos bem estabelecidos do LDL, o papel funcional do tamanho do HDL ainda é controverso. Partículas pequenas de HDL são descritas como mais antioxidantes, anti-inflamatórias e commaior capacidade de promover a saída de colesterol das células. 6 Por outro lado, Woudberg et al., 7 mostraram que a obesidade esteve associada com diminuição das subclasses de partículas grandes de HDL. Muitos desse biomarcadores são caros, requerem métodos tecnicamente sofisticados e apresentamuso limitado na atenção primária à saúde e na prevenção de doenças. O Produto da Acumulação Lipídica (LAP) foi proposto como um índice simples, barato e preciso para estimar o risco cardiovascular 8 e mortalidade por todas as causas. 9 Esse índice combina parâmetros antropométricos (circunferência da cintura, CC) e bioquímicos (triglicerídeos de jejum, TG), conectando mudanças anatômicas a mudanças fisiológicas associadas com acúmulo aumentado de gordura corporal em adultos. Kahn, 10 observou no terceiro National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) o efeito negativo da CC, possivelmente relacionado com partículas pequenas e densas de LDL, embora a medida do tamanho de sua partícula não tenha sido diretamente realizada. A validade e a superioridade do LAP em identificar risco cardiovascular, síndrome metabólica, e resistência insulínica foram comparadas com as do índice de massa corporal (IMC), CC e relação cintura quadril. 9-13 Apesar do impacto negativo do LAP no metabolismo de glicose, avaliado principalmente em mulheres pós-menopausa 13,14 e mulheres com ovário policístico, 15,16 sua associação com o tamanho das lipoproteínas não foi diretamente avaliada. Estudos prévios baseados no LAP confirmaram sua associação com fatores de risco clássicos para DCV. 17-20 Portanto, o objetivo deste estudo foi expandir o conhecimento existente sobre o LAP, avaliando-se o impacto desse parâmetro sobre o tamanho da LDL e da HDL, considerando a potencial influência de fatores de confusão. Métodos Sujeitos Um total de 351 adultos de ambos os sexos emúltiplos fatores de riscos cardiovasculares foram recrutados para este estudo transversal após completa avaliação clínica e eletrocardiograma (ECG). Esses indivíduos foram recrutados do centro de pesquisa localizado no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Utilizamos o método de amostragem não probabilística. De acordo com os critérios de inclusão, os indivíduos incluídos tinham idade entre 30 e 74 anos, e um ou mais fatores de risco para DCV – dislipidemia, diabetes mellitus e/ou hipertensão. Gestantes, lactantes, indivíduos que participaram em outros estudos, que apresentavam doença renal ou hepática grave, diabetes mellitus tipo 1, usuários de drogas ilícitas, alcoólatras ou em uso de hipolipemiantes introduzidos ou trocados 30 dias antes da coleta de sangue não foram incluídos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética emPesquisa do hospital (número 1126/11) e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (número 2264), e todos os procedimentos foram realizados segundo padrões da Declaração de Helsinki (1975, revisada em 2008). Todos os participantes deram seu consentimento informado por escrito. Perfil clínico-demográfico Entrevistadores treinados avaliaram as características demográficas dos participantes utilizando um questionário pré-estruturado que abordava sexo, idade e etnia. A avaliação clínica consistiu em obtenção de dados atuais sobre história médica, história familiar (pai e mãe) de doenças crônicas, e uso regular de medicamentos. Tabagismo foi considerado quando relatado pelos indivíduos, independentemente da quantidade de cigarros. Hipertensão foi confirmada por história clínica, uso de medicamentos anti-hipertensivos e pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) monitoradas após pelo menos cinco minutos em repouso, sendo que a média de três medidas foi usada para análise. Hipertensão foi definida como PAS ≥ 140 mmHg e/ou PAD ≥ 90 mmHg. Diabetes tipo 2 foi definido por diagnóstico prévio de diabetes, uso de hipoglicemiantes e níveis plasmáticos de glicose acima de 100 mg/dL. O escore de risco de Framingham (ERF) foi calculado conforme descrito anteriormente. 21,22 Parâmetros antropométricos Peso (Kg) e altura (cm) foram medidos com precisão de 0,1 Kg e 0,1 cm, respectivamente, utilizando-se métodos e instrumentos padronizados. O IMC foi calculado como o peso (Kg) dividido pela altura ao quadrado (m 2 ). A CC foi medida usando-se uma fita inelástica de 1,0 mm de precisão (TBW ® ; São Paulo, SP, Brasil), sem pressioná-la contra o corpo. A composição corporal foi avaliada por impedância bioelétrica (BIA) (Analyzer®, model Quantum II; RJL Systems; Michigan, USA). A porcentagem de gordura 340

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